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Pelo direito de trabalhar

Pelo direito de trabalhar

É de conhecimento público e notório a decisão interlocutória de minha lavra, que conciliou a necessidade de punição de condutor flagrado conduzindo veículo embriagado, com o exercício de sua profissão (motorista). Confesso que quando a prolatei, dado o seu caráter vanguardista, imaginava que campearia polêmica e haveria resistência quanto ao seu teor.
Porém, causa preocupação que a resistência tenha sido pautada em razões tão reacionárias e reducionistas. Os argumentos, em regra, são de que a decisão estimularia a impunidade e de que ao juiz não é dado ir de encontro ao texto legal.
É claro que não se desconhece a violência que aflige o trânsito brasileiro. Malgrado o exposto, tenho que a necessidade de contenção da violência não se presta de supedâneo à violação de garantias constitucionais outras, dentre as quais a do direito de exercício de atividade laboral.
Por mais veementes que sejam os detratores do entendimento que sufrago, apenas por demasiada simploriedade poderiam ignorar o tratamento diferenciado que a legislação outorga àqueles que cometem infrações ontologicamente idênticas.
Explico.
Consabido que um médico ou um advogado, v.g., apenas serão privados do exercício de suas atividades profissionais, quando cometerem violação de dever funcional e após responderem procedimento administrativo específico. Logicamente, o cometimento de infração viária jamais infundirá vedação ao exercício pelos mesmos de suas atividades laborais.
Dissonante é a situação do motorista profissional. Uma vez aplicada a sanção de suspensão do direito de dirigir, ele compulsoriamente ver-se-á privado do exercício de seu labor e despojado dos meios suficientes ao seu sustento.
Destarte, o legislador ao impor mesma punição ao “condutor” (de veículos de passeio) e ao “motorista” (profissional), incorreu em nítida desconsideração do princípio da isonomia em sua acepção material. Ao “condutor” suspendeu apenas o direito de dirigir; ao “motorista”, também cerceou a possibilidade de exercer sua profissão.
A punição que emerge da letra fria da lei é draconiana ao motorista profissional. Logicamente, a melhor solução seria de lege ferenda. Cediço, porém, que em um ambiente de opinião pública extremamente punitivista e pouco atenta às consequências sociais de sanções desproporcionais, tal não ocorreria em curto prazo.
Entrementes, quando a peculiaridade do caso concreto reclamar, nada obstará a submissão da matéria ao Poder Judiciário. E é à luz desta reflexão que propugno pela possibilidade de modulação judicial dos efeitos da sanção imposta ao motorista profissional, mantendo hígidas a pena pecuniária, a necessidade de frequentar cursos de legislação e de reciclagem, bem como obstar o direito de condução de veículos de passeio, mas resguardando o direito de exercício de sua atividade profissional.
Enfim, em que pese o desconforto de alguns, é consabido que os magistrados sempre poderão ser provocados a dar melhor interpretação constitucional de dado texto legal na particularidade do caso concreto. E, fosse tolhida tal prerrogativa, o Poder Judiciário perderia razão de ser, esvaziando-se em sua função constitucional, para tornar-se reprodutor autômato de textos legais, não mais havendo quem tutelasse as garantias e liberdades individuais.
ROBERTO COUTINHO BORBA – Juiz de Direito – 3ª Vara Cível de Bagé-RS.