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Mediação: escutar a si próprio e a convivência, por Genacéia da Silva Alberton*

Mediação: escutar a si próprio e a convivência, por Genacéia da Silva Alberton*

As ruas estão pouco movimentadas. Encontramos facilmente vagas para estacionar. Porém, nessa calmaria dos dias quentes, continuam a ocorrer conflitos no trânsito, nas lojas, em casa, pois, como fato social, eles se manifestam em todas as relações humanas. Podem ser graves, gerando disputas judiciais, ou simples, como desacertos com colegas ou filhos.

O conflito não tira férias. Entretanto, a forma como atendemos às questões conflituosas pode ser menos estressante do que geralmente ocorre. Para as demandas levadas a juízo, as mediações judiciais se realizam com base na Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça que destaca os métodos consensuais como política pública do Judiciário e as disposições do novo Código de Processo Civil que dão prevalência ao entendimento. Podemos, todavia, aplicar elementos analisados em mediação para agir diferente na dinâmica da vida, usando-os como recurso pedagógico de convivência.

Pensar e agir diferente, fora do lutar ou esquivar-se diante de uma situação conflituosa exige paciência e vontade. Por isso, exercitemos, nos conflitos do dia a dia, a mediação interna, evitando as reações meramente impulsivas e cujas consequências teremos que assumir. Sejamos, por algum momento, observadores de nossas próprias atitudes, sem críticas ou acusações. Encontremos espaço para diminuir a centralidade no que achamos certo ou errado para termos condições de vermos o contexto da situação e voltar-nos atentamente para o outro.

Afastemos a ilusão de que, assim, teremos uma vida sem conflitos. Mas, analisar a si próprio, as reações pessoais frente às situações desagradáveis nos auxiliam a fazer um movimento de dizer sim à vida, um sim aos outros e um sim a si mesmo, ou seja, tirar o foco do conflito e ter um olhar prospectivo. William Ury, cofundador do programa sobre negociação da Universidade de Harvard, na obra Obtenga El sí consigo mismo, sugere como primeiro passo para administrar um conflito o de superar os obstáculos interiores. E um deles é saber o que realmente queremos.

Não se trata de desistir, mas buscar o equilíbrio para tratar a questão geradora do conflito que pode se resumir à escolha de onde passar o final de semana ou a necessidade de refazer um trabalho realizado por determinação da chefia imediata. Se permanecermos centrados no desconforto de termos sido contrariados, perderemos o precioso tempo de desenvolver a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro.

Entretanto, antes de escutar o outro, é preciso escutar a si próprio, identificando o motivo da contrariedade, liberando espaço para o presente. A falta de tolerância não vai tornar o dia menos tenso ou diminuir as questões que temos a resolver. E mais, permitir-se ser flexível dá condições para ver a si próprio do outro lado e assim conseguir identificar o outro.

Admitir como o conflito se apresenta para nós é o que Stone, Patton e Heen chamam de diálogo da identidade, ou seja, o diálogo interno que cada um tem consigo próprio sobre o que determinada situação traz como impacto ao amor próprio e à imagem que fazemos de nós. E isso vai depender daquilo que podemos ou não mudar. Importante é que mudar não significa impor a nossa vontade à do outro, mas, sim, perceber o modo como podemos dar resposta aos desafios.

E um dos desafios é reconhecer que não conhecemos tudo acerca do fato gerador do conflito, pois ele é percebido pela nossa perspectiva. E também não sabemos o que se passa com o outro. Podemos apenas supor, o que não é certeza. Eventual arrogância de um superior pode representar a sua falta de competência no uso do poder ou insegurança no ato de liderar.

Exercitar a mediação,efetivamente, exige paciência e vontade, num constante aprendizado. Aliás, não podemos oferecer o que não temos. Se desejamos paz, precisamos nos comprometer com a mudança em nós: escutar a si, admitir que não se conhece tudo sobre o contexto do conflito e sobre o outro. É o exercício diário da convivência.

*Genacéia da Silva Alberton é desembargadora e coordenadora do Núcleo de Estudos de Mediação da Escola Superior da Magistratura (ESM-AJURIS)