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Artigo: Império da individualidade

Artigo: Império da individualidade

Artigo de autoria da juíza de Direito Cíntia Teresinha Burhalde Mua,  publicado
na Coluna da AJURIS no jornal O Sul desse domingo (12/4).

Em movimento oposto ao ideal da prestação jurisdicional célere, desburocratizada e isonômica, sobreveio o veto presidencial ao artigo 333 do novo CPC, que criava o incidente de coletivização das demandas individuais, mecanismo processual com potencialidade para racionalizar o acesso ao Estado-Juiz, evitando que diversos estamentos da Magistratura nacional decidisse um conflito genuinamente coletivo segundo a régua da individualidade.

A decisão afeta, de modo certeiro, o acesso à jurisdição no caso das demandas massivas, em confronto com os anseios sociais. A diretiva de atender – repetida e burocraticamente – um número infindável de casos iguais desmerece a função jurisdicional do Estado, obrigando os membros da Magistratura nacional a julgar em linha de produção e, por consequência, a mitigar o sentido e o alcance da efetividade dos direitos fundamentais – como, por exemplo, a duração razoável dos processos que envolvem as demais questões a serem decididas.

A democracia substancial (real, verdadeira, sentida nas ruas) depende de um Poder Judiciário ativo, altaneiro, bem estruturado. A superação do desafio das demandas de massa é impositiva para o redesenho da estrutura do Poder Judiciário moderno e questão estratégica para o autogoverno dos Tribunais, exigindo soluções modernas e proativas.

A articulação arraigada em medidas ultraconservadoras, talhadas sobre o vetusto argumento da proteção ao direito subjetivo (e individual) de ação, não mais se sustenta. Mais: maquia idiossincrasias que servem à manutenção do paradigma da plurilitigiosidade a qualquer pretexto (e, de preferência, com o menor custo individual possível).

O acesso ao Poder Judiciário é um direito prestacional assegurado na Constituição que, para ser levado a sério, precisa considerar os seus custos,  o que não se resume  a uma questão orçamentária. Há custos sociais, macroeconômicos e políticos a serem contabilizados quando se pretende equacionar uma política judiciária que repercuta os rincípios da Carta Maior.

O Conselho Nacional de Justiça tem divulgado números do enfrentamento das demandas judiciais. Apenas para exemplificar, a Justiça gaúcha tem sido reiteradamente reconhecida com uma das mais produtivas do País. Significa dizer que o resultado do esforço conjugado de toda a estrutura forense da Justiça Estadual do RS tem sido o de julgar mais e mais processos, extinguindo quase o mesmo número de feitos iniciados no decorrer de um ano.

A mesma base de dados informa que, proporcionalmente à população, a taxa de ingresso de novos feitos na Justiça do Estado do Rio Grande do Sul é uma das maiores, senão a maior, de todo o País. Sem prejuízo do mérito destes resultados, mantendo-se a lógica da predominância da ação individual em relação à solução coletiva, a produtividade (ou seria mera produção?), por si só, não fará reduzir significativamente o acervo, ou seja, o número de processos que permanecem em tramitação, meta que, atingida, repercutirá em maior agilidade (menos tempo de tramitação processual) e eficiência (mais assertividade nos procedimentos e decisões) da prestação jurisdicional.

A Escola Superior da Magistratura (ESM) da AJURIS, através de seu Núcleo de Estudos sobre Processo Coletivo, se constitui em um espaço democrático para a construção de propostas  doutrinário-legislativas para que o processo coletivo, sob o signo do interesse público, evolua no cenário brasileiro, constituindo-se em efetivo antídoto ao império da individualidade.

Cíntia Teresinha Burhalde Mua
Juíza de Direito, coordenadora do Núcleo de Estudos da ESM/AJURIS

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