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Entre vítimas e infratores, por Luis Carlos Rosa

Entre vítimas e infratores, por Luis Carlos Rosa

Artigo de autoria do juiz de Direito Luis Carlos Rosa, publicado no dia 22 de julho em coluna semanal no Jornal das Missões, de Santo Ângelo.

Depois de algumas semanas ausente das escritas das colunas, em razão do acúmulo de trabalho, retomo essa prática que para mim é muito prazerosa e que me permite exprimir algumas impressões e muitas angústias.

É comum nas audiências que acontecem no Juizado Regional da Infância e Juventude, envolvendo a apuração de atos infracionais, que as vítimas demonstrem receio em depor na frente dos adolescentes infratores, o que é absolutamente normal e compreensível, sendo essa uma prática muito recorrente nas audiências.

Nessa semana aconteceu uma cena que ainda não tinha acontecido comigo. Tratava-se de uma audiência de avaliação de um adolescente infrator, já tendo contra si uma sentença que o condenou a uma medida socioeducativa de internação pelo cometimento de um homicídio. Para que fique claro aos leitores, no caso de adolescentes infratores condenados, a cada seis meses é marcada uma audiência de reavaliação, onde se verifica o comportamento durante o cumprimento da medida e a consequente possibilidade ou não de uma progressão. No caso referido, em razão da gravidade da conduta praticada foi mantida a medida de internação, na forma como foi aplicada.

Nessas audiências de reavaliações das medidas socioeducativas, em nenhuma outra oportunidade tinha presidido uma solenidade em que parentes da vítima se fizeram presente, mais especificamente a mãe da vítima, que compareceu estampando a foto do filho assassinado em uma camiseta. Na mesma audiência compareceu a mãe do adolescente infrator, também muito fragilizada pela situação do filho privado de liberdade e pelo ato praticado.

Conversei com a mãe da vítima depois da audiência, extremamente emotiva, como não poderia deixar de ser, referindo ela que acompanharia todas as audiências que forem realizadas. Já escrevi em outro momento que a maior perda que entendo possa atingir uma pessoa é a perda de um filho, não sei qual seria minha reação sendo confrontado com o algoz de um filho meu, nem quero imaginar, embora, confesso, me venha à mente uma reação que não possa externar.

De outro lado, na minha frente um adolescente privado de liberdade, que tem mantido uma conduta irrepreensível nestes primeiros seis meses de privação de liberdade, parecendo ter estabelecido um juízo crítico efetivo acerca da gravidade do ato praticado, acatando sem questionamentos a decisão de manutenção da medida de internação, fruto, justamente, da gravidade do ato que praticou.

Há também a mãe do adolescente infrator, com o coração na mão diante do ato ignóbil praticado pelo filho, querendo, certamente, uma mudança de conduta do filho e sua reestruturação após o período de privação de liberdade, que, certamente, pretende seja o mais abreviado possível.

As questões são várias. A mãe da vítima terá a “justiça” que almeja? Que tempo de privação de liberdade teria o adolescente infrator de cumprir? A mãe do adolescente infrator verá mudanças efetivas após o cumprimento da medida?

Uma coisa é certa, faça o que se faça a vida da vítima não se restabelecerá, ficando a ausência e o pesar que acompanhará a mãe pelo resto de seus dias. Possivelmente todos os dias de sua vida pedirá “justiça”, sabendo ela, que logo ali adiante, considerando que o prazo máximo de privação de liberdade para adolescentes infratores não pode superar aos 03 anos, será ele posto em liberdade.

Antevejo que verá ela “injustiça”, nas decisões que inevitavelmente serão tomadas no curso do processo de cumprimento da medida. Infelizmente, não temos a condição de restabelecer a vida, ou de fazer o relógio voltar para trás, felizmente não temos como estabelecer uma pena de morte, ou uma prisão ad eternum.