03 abr A nova lei de internação compulsória, por Luís Antônio de Abreu Johnson
Artigo de autoria do juiz de Direito Luís Antônio de Abreu Johnson, publicado no dia 1º de abril no jornal O Informativo do Vale de Lajeado.
Ainda tramita, a passos lentos, o Projeto de Lei nº 7.663/2010, de autoria do hoje ministro gaúcho Osmar Terra, que altera a Lei Antidrogas. Em apertada síntese, o texto prevê penas mais duras para trafi cantes, internação compulsória sem a necessidade de intervenção judicial, como forma de antecipar o tratamento a dependentes químicos, e a criação de uma grande rede de comunidades terapêuticas sob a responsabilidade do Poder Público, estas vocacionadas aos ditos tratamentos de longa duração.
O projeto, de igual forma, cria um cadastro nacional de informações e acrescenta 33 novos dispositivos à Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que, atualmente, dispõe sobre a repressão ao tráfi co de entorpecentes, define crimes, prescreve medidas para a prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas. Afora isso, e mui especialmente, altera substancialmente a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, que cuida da proteção e dos direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental (a conhecida Lei da Reforma Psiquiátrica de 2001).
Induvidosamente, o tema, que é objeto de acendrado debate na Casa legislativa, é a internação compulsória sem o consentimento do paciente e independentemente de autorização judicial como forma de antecipar o tratamento, segundo as próprias palavras do deputado gaúcho Osmar Terra, autor do projeto.
Tomando-se em linha de consideração a degradação social causada pelo uso de substâncias entorpecentes pesadas, em especial, pelo uso do crack, é inquestionável que a iniciativa parlamentar merece aplausos. O Brasil tem urgência de encontrar novas soluções para a pandemia que aniquila a juventude, corrói o seio familiar e é hoje o maior estímulo à criminalidade. Enfim, a questão do combate ao tráfico de substâncias entorpecentes não pode ser tema de maiores digressões no Parlamento nacional.
O que se questiona, todavia, é o tratamento a ser ministrado aos usuários e dependentes. Não é demasia asseverar que a lei vigente (Lei nº 10.216/2001) já define a internação para tratamento, de modo voluntário (quando o paciente aceita ser tratado), e a involuntária ou compulsória, que se opera por decisão judicial, observado o devido processo legal, inclusive com a oportunidade de o paciente contestar a ação, produzir provas, inclusive opondo-se à medida.
Deve ganhar fôlego e corpo, a meu sentir, a discussão sobre as garantias de que haverá uma rede de clínicas e comunidades terapêuticas públicas, dotadas de equipe multidisciplinar (psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, etc.), com programas comprovadamente eficazes e de fácil acesso, até mesmo em nível ambulatorial, quando o grau de dependência química ainda não se mostrar elevado.
Tenho que o ser humano só pode ser conduzido compulsoriamente para o tratamento contra a drogadição em clínicas de desintoxicação e comunidades terapêuticas tecnicamente apropriadas, o que, hoje, raramente acontece, notadamente pela ação de profissionais da área, os quais são adeptos da cultura antipsiquiátrica e antimedicalização, mesmo em pacientes com surtos psíquicos graves.
Sem esses pressupostos, o afastamento, à força, de drogados da ruas e de famílias atônitas pelo efeitos deletérios do vício da droga, se constituirá apenas numa faxina social que viola direitos humanos fundamentais e atende aos interesses de uma política higienista (que tanto mal já causou ao país), cujo objetivo primordial é retirar viciados em drogas da via pública mesmo que seja para submetê-los a toda sorte de constrangimentos e a tratamento que transgride o princípio de envergadura constitucional da dignidade da pessoa humana, base do Estado Democrático de Direito que tanto almejamos.
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