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Suspeito por existir, por Karen Luise Souza Pinheiro*

Suspeito por existir, por Karen Luise Souza Pinheiro*

Cena comum: um grupo de adolescentes sai da escola, dirige-se a um estabelecimento comercial para comprar biscoitos e refrigerante. Cena comum, não fossem ele composto jovens negros, “neguinhos” melhor dizendo. E por serem jovens negros foram abordados, revistados de modo truculento, expostos publicamente em espaço localizado nas imediações de suas residências e do estabelecimento de ensino que frequentavam, sendo em seguida orientados a irem embora, já que eles, afinal, embora suspeitos, não haviam praticado qualquer subtração no lugar.

Sim. Eles eram suspeitos. Suspeitos porque ostentavam corpos negros, suspeitos porque existiam. Portanto, não lhes era permitido, e não é permitido àqueles que ostentam corpos negros transitar livremente, andar pelas ruas à noite, circular por shoppings, lojas de departamentos ou quaisquer outros locais de acesso ao público, sem que estejam sob vigilância, a qual, a qualquer momento pode transformar-se em situação de constrangimento e humilhação. Porquê? Porque pertencem a raça negra: raça inferior, raça marginal, raça composta por indivíduos que até 130 anos atrás eram objeto, eram coisa, eram propriedade de outro.

As condições aqui retratadas revelam o que se chama de racismo estrutural. A sociedade brasileira estruturou-se racista, entendendo que, em razão da cor da pele, indivíduos possuem menor capacidade intelectual, e, por conseguinte, devem ocupar postos de trabalho de menor complexidade, devem pertencer às classes sociais menos favorecidas, serão os destinados à vida fora das regras de comportamento e, sim, serão os que praticarão crimes, serão os que praticarão os atos contrários à lei.

“Decisão judicial soa como um basta ao discurso da democracia racial”, diz a juíza Karen Luise Souza Pinheiro

Com a diáspora africana, aqui chegaram os corpos negros, como mãos de obra e objetos de propriedade de indivíduos brancos. Libertos, seres humanos negros que sempre foram, restaram abandonados pelo Estado e permaneceram vivendo considerados seres pertencentes a uma raça inferior, mas habitantes de um país onde imperava a democracia racial e no qual surgiu o que se chamou de raça brasileira.

Os discursos da democracia racial e da existência de uma raça brasileira, reforçaram a marginalização da população negra, mantendo-se brancos em cima e negros embaixo da pirâmide social, pois se todos são iguais, nenhuma ação especial é necessária àqueles que foram libertos depois de séculos de escravização.

A população negra não foi alvo específico de ações de Estado a colocá-la em condições de igualdade com a população branca que aqui vivia e que aqui chegou, munida de incentivos públicos, que foram essenciais à sua subsistência e à melhora de suas condições de vida.

Ao contrário, a sociedade estruturou-se com diversos instrumentos reprodutores de preconceitos e práticas que sempre negligenciaram o trato das questões étnico-raciais, reforçando não apenas invisibilidade social de negros, mas também afastando-os das condições de sujeitos de direitos providos de humanidade.

Após a abolição, indivíduos negros foram destinados às favelas, às ruas e ao cárcere, sem representação política, porque em sua maioria analfabetos, portanto sem direito ao voto até 1985. Destarte, não tiveram voz, não puderam demonstrar suas necessidades e sequer satisfazê-las de modo digno e justo.

Embora compondo mais de 50% da população brasileira, negros permanecem sem representatividade em todas as esferas de poder, porque sem condições socioeconômicas a ocupar espaços destinados apenas aos detentores oportunidades e de melhores circunstâncias sociais em educação, saúde, moradia, trabalho.

Verdade é que o Brasil não escapou do comportamento que, nas palavras de Carlos Moore, em Racismo & Sociedade, faz pessoas não negras, sensíveis à doença de seu cachorro, incapazes de desenvolver qualquer comoção diante daquelas fenotipicamente diferentes, não se importando com o terrível quadro de opressão racial que se apresenta.

E é por isto que, enquanto saltam aos olhos incontáveis situações semelhantes a daqueles jovens, uma decisão judicial soa como um basta ao discurso da democracia racial, reconhecendo que o Brasil não escapou do racismo e da discriminação e que tais comportamentos devem ser reprovados e punidos, não apenas a reparar danos causados, mas para que pedagogicamente corrijam-se condutas que há muito são consideradas contrárias à lei.

Espera-se isso do Poder Judiciário. Almeja-se um olhar sensível, atento à realidade, que traga uma mudança de paradigma para a Justiça brasileira; uma Justiça que precisa dizer: Não! O negro não é suspeito por existir!

*Karen Luise Souza Pinheiro é juíza de Direito e diretora do Departamento de Direitos Humanos da AJURIS.

 

Entenda o caso

Em abril de 2013, três estudantes, todos negros, saíram da escola e foram ao supermercado Zaffari, na Avenida Otto Niemeyer, no bairro Tristeza, que fica próximo da escola onde estudavam. Os então adolescentes na época queriam comprar pacotes de bolacha. Mas, ao efetuarem o pagamento no caixa, foram abordados de maneira abusiva por cinco seguranças da empresa, os quais ordenaram que abrissem as mochilas escolares e esvaziassem os bolsos.

A juíza Karla Aveline de Oliveira, da Vara Cível do Foro Regional da Tristeza, em Porto Alegre, condenou a Companhia Zaffari Comércio e Indústria Ltda. a pagar R$ 60 mil a três jovens por abordagem indevida e mais multa por não entregar um DVD que seria prova no processo.

Confira abaixo a repercussão na mídia 

 

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