fbpx

A polícia prende. Os juízes também!, por Marcelo Malizia Cabral*

A polícia prende. Os juízes também!, por Marcelo Malizia Cabral*

Após haver prestado concurso público de provas e títulos, assumi o cargo de juiz de Direito no ano de 1995 e desde então ouço uma afirmação de todo equivocada e que muito me inquieta: “A polícia prende e os juízes soltam os bandidos”. Essa frase é tão repetida que já faz parte do senso comum da sociedade e tomada como verdade. Todavia, constitui uma grotesca inverdade.

A começar porque a única autoridade com o poder de decretar a prisão de qualquer pessoa no Brasil é o juiz de Direito. Então, que fique muito claro: quem prende são os juízes! Em outras palavras, se o Brasil conta hoje com cerca de 700 mil pessoas presas e com outras 500 mil ordens de prisão aguardando cumprimento, isto se deve a decisões proferidas por juízes de direito.

É claro que a polícia e mesmo qualquer cidadão estão autorizados a prender em flagrante delito uma pessoa que esteja cometendo um crime ou que acaba de cometê-lo, mas a manutenção dessa pessoa presa ou não será decidida por um juiz dentro de 24 horas da prisão. Tenho certeza que é justamente dessa circunstância que surgiu o equivocado dito popular. Explico. No Brasil e na maior parte dos países democráticos do mundo vige o princípio da presunção de inocência, segundo o qual todo o indivíduo é considerado inocente até que se prove haver praticado um crime.

Exatamente por este motivo, como regra, as pessoas que respondem a um processo criminal o fazem em liberdade e somente cumprirão sua pena após a condenação, caso condenadas. Então, muitas das pessoas que são presas em flagrante na prática de um crime pela polícia serão postas em liberdade pela justiça e responderão ao processo livres, até que haja uma condenação.

A prisão durante o processo constitui exceção guardada a crimes de extrema gravidade ou a acusados que cometem crimes reiteradamente. Então, haverá casos, efetivamente, que a polícia prende e os juízes soltam, mas isto quando a legislação assim impuser e não houver risco à ordem pública a justificar a prisão antecipada, medida excepcional. Entretanto, não se pode concluir disso que os juízes sejam coniventes com o crime ou não protejam as vítimas e a sociedade daqueles que praticam crimes.

Ao contrário, transcorrido o processo e comprovada a prática de um crime, respeitados os direitos da acusação e da defesa do acusado, o juiz condenará o infrator em salvaguarda aos direitos da vítima e da sociedade que foram violados com o crime, o que ocorre diariamente na rotina das varas criminais. Para que se possa ter uma ideia dessa afirmação, somente na Comarca de Torres, na primeira quinzena de janeiro de 2018, o Projeto Justiça no Veraneio impôs 85 anos de prisão em sentenças condenatórias, punindo crimes graves como estupros, assaltos, tráfico de entorpecentes, entre outros.

Então, o que pretendo com esse artigo é deixar muito claro que os juízes brasileiros estão sim preocupados com a segurança pública, que asseguram os direitos das vítimas e protegem a sociedade do crime, julgando e condenando aqueles que violam a lei. Espero que não mais se repita a afirmação leviana de que a polícia prende e os juízes soltam. Ao contrário, a verdade é que a polícia prende e os juízes também!

* Marcelo Malizia Cabral é juiz de Direito designado pelo TJRS para atuar no Projeto Justiça no Veraneio na Comarca de Torres, RS, em janeiro de 2018. Artigo publicado no dia 23 de janeiro de 2018, no jornal online O Sul.