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A RPV do João, por Benedito Felipe Rauen Filho

A RPV do João, por Benedito Felipe Rauen Filho

Artigo de autoria do juiz de Direito aposentado
Benedito Felipe Rauen Filho

João tinha uma banca de verduras e frutas na Restinga, pequena como costuma ser o comércio naquele bairro. Duas vezes por semana, antes do amanhecer, dirigia sua Belina, que conservava com orgulho, até a Ceasa para buscar o seu pequeno estoque. Em uma dessas idas foi surpreendido em um cruzamento por uma viatura da Brigada Militar que invadiu a preferencial em alta velocidade. Sua querida Belina ficou literalmente moída. Fraturou algumas costelas e um braço, passando algum tempo imobilizado em hospital do SUS e outro tanto em casa. Recebeu o DPVAT, mas sem o veículo teve que fechar a banca, passando a sobreviver com a receita das faxinas que sua mulher fazia, bem como da ajuda de familiares e amigos solidários como são os humildes e desgraçados.

Recuperado das fraturas, e esperançoso de que tudo seria resolvido, se dirigiu a um quartel da Brigada, onde um oficial informou que os veículos do Estado não têm seguro e o “governo” não indeniza amigavelmente, devendo ele procurar “seus direitos”.

Sem trabalho e renda, procurou a Defensoria Pública, através da qual ingressou com uma ação contra o Estado. Depois de algum tempo ganhou em primeira instância, “com o juiz” segundo dizia. Pensou que receberia a indenização, mas o defensor público disse que o Estado recorrera – o Estado recorre de tudo, disse – e teria que aguardar ainda mais. Tempos depois, “ganhou” o recurso e seu advogado informou que iria receber, além do valor da Belina, indenização por perdas e danos.

Só que – ai meu Deus, tem um só – disse o defensor que ele não receberia dinheiro, mas sim um tal de “precatório”, que era um documento que deveria obrigar o Estado a pagar a indenização depois de um ano. Só que – mais um só – o Estado não paga os precatórios e o defensor não poderia prever quando ele receberia, talvez levasse muitos anos ou ficasse como herança (mas que governo caloteiro, pensou o João). Porém tem uma saída para receber logo: o senhor abre mão de uma parte da indenização e trocamos o precatório por RPV e então o pagamento sairá em seis meses. Na sua sabedoria de homem simples, João disse – bem doutor, nem sei o que é essa tal de RPV, mas mais vale um pássaro na mão, né?

Passado algum tempo, neste mês o João foi chamado na Defensoria Pública e o defensor disse que a RPV fora expedida, mas deveria ser protocolada com urgência porque o Governador encaminhara um projeto de lei reduzindo em muito o valor da mesma, para o equivalente a um quinto do previsto, do contrário o crédito seria através do tal de precatório, nunca pago.

Assim foi feito, porém o defensor público não teve coragem de dizer ao João que, depois de decorridos os seis meses, ainda assim não haveria pagamento da RPV e ele necessitaria pedir ao juiz o sequestro do valor. Certamente o João diria de novo “mas que governo caloteiro, doutor”.

Benedito Felipe Rauen Filho – Juiz de Direito aposentado