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Para Luiz Felipe Silveira Difini, efetividade passa pela valorização do 1º Grau

Para Luiz Felipe Silveira Difini, efetividade passa pela valorização do 1º Grau

Ex-presidente da AJURIS e atual 1º vice-presidente do TJ/RS
participou nesta semana do Especial XI Congresso Estadual de Magistrados.

O ex-presidente da AJURIS no biênio 2000/2001 e atual 1º vice-presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS), Luiz Felipe Silveira Difini, traça um cenário do atual momento vivido pelo Poder Judiciário no Especial XI Congresso Estadual de Magistrados. O desembargador é o destaque desta semana no programa da Radioweb AJURIS que tem o objetivo de antecipar assuntos que estarão em pauta no evento promovido pela Associação e, com isso, estimular a apresentação de teses pelos magistrados.

Na entrevista concedida ao Departamento de Comunicação da AJURIS, Difini fala sobre o desafio do Judiciário de prestar uma jurisdição mais efetiva. Também cita como entrave para atingir essa meta as excessivas possibilidades de recursos na Justiça brasileira. “Nosso sistema recursal é algo feito para o processo não acabar nunca”, resume.

O desembargador analisa, ainda, as modificações impostas ao Judiciário pelo Novo Código de Processo Civil.O novo CPC vai tornar os processos mais demorados do que são agora, porque ele acabou com alguns recursos, mas aumentou a matéria recorrível”, opina. Para o magistrado, a efetividade do processo demanda limitação de recursos e valorização do 1º Grau.

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A primeira edição internacional do Congresso será realizada de 24 e 26 de setembro, em Montevideo, capital do Uruguay. Informações sobre inscrição, transporte, programação e o regulamento estão disponíveis AQUI.

O tema do Congresso Estadual de Magistrados neste ano será Efetivar Direitos: o desafio da Magistratura. Na sua opinião, quais são os principais desafios da Magistratura Estadual atualmente? 

O principal desafio é conseguir prestar uma jurisdição que seja efetiva. Nós vivemos nos últimos tempos dois fenômenos. Um é a chamada judicialização da política pela qual inúmeras questões que normalmente ficavam a cargo dos poderes políticos e administrativos foram trazidas ao Judiciário justamente pela ineficiência das estruturas políticas convencionais em resolvê-las. E para o Judiciário, primeiro, traz um tema que não é aquele para o qual os seus operadores foram treinados, seus operadores foram treinados para funcionar em um processo e têm que resolver, por exemplo, a questão da saúde sem os conhecimentos técnicos e sem o controle global das disponibilidades orçamentárias que existem para essa situação. O outro problema, o outro grande desafio, vem a ser a questão da efetividade da jurisdição. E devo dizer que esse é um problema que me preocupa bastante e por uma série de motivos a Justiça brasileira é menos efetiva do que deveria ser. Eu venho da área do Direito Público e nessa matéria a efetividade da jurisdição é muito precária. Por exemplo, descobri que a jurisdição que se prestava tinha efetividade quanto as liminares. Agora, fora isso, uma condenação na área da Fazenda Pública depende de cumprimento de precatórios, e os precatórios todos sabem a situação que se encontram… Então, me parece que tornar mais efetivas as decisões judiciais, mais célere o processo e mais efetiva a solução são os grandes desafios que se colocam para o Poder Judiciário. 

E quais são os caminhos para que se atinjam esses objetivos?

Eu diria que são duas coisas muito simples, mas muito difíceis politicamente de se obter na quadra atual da vida brasileira. Primeiro, o Poder Público, principalmente, cumprir as decisões judiciais. Isso é uma coisa absolutamente simples, necessária, daria uma grande efetividade, mas que encontra inúmeros obstáculos políticos. E outra a simplificação do nosso sistema recursal. Nosso sistema recursal é algo feito para o processo não acabar nunca.

É aquele exemplo do cidadão que roubou uma galinha e acabou com recurso no Supremo?

É. E esses tempos um juiz escreveu sobre a eternização dos processos e referiu um processo que o próprio nome demonstrava que havia tido dez recursos dentro do Supremo. Eram embargos de declaração, nos embargos de declaração, nos embargos infringentes, no agravo regimental, no recurso extraordinário.

Fica ad aeternum?

Fica. Então, na via cível, o que acontece é que uma decisão hoje é cumprida quando a parte que é condenada chega à conclusão que é mais econômico cumprir a decisão do que continuar sustentando o litígio. E na área criminal quem tem um advogado que conheça o processo, saiba operar o processo e possa arcar com os custos que existem da manutenção eterna da discussão praticamente inviabiliza o trânsito em julgado de uma decisão. Isso precisaria de uma mudança significativa na nossa legislação processual e, infelizmente, eu acho que o Código de Processo Civil, ao contrário do que tem sido dito, vai na contramão. O novo CPC vai tornar os processos mais demorados do que são agora, porque ele acabou com alguns recursos, mas aumentou a matéria recorrível. Nenhuma decisão do 1º Grau se torna preclusa, todas podem ser rediscutidas na apelação. A efetividade do processo demanda limitação de recursos e valorização do 1º Grau. O juiz de 1º Grau tem que sentir que o que ele decide altera a vida das pessoas e não, simplesmente, escolhe qual parte vai recorrer. Já que o Congresso de Magistrados vai ser no Uruguay, claro o Uruguay é um país muito menor que o nosso, mas no Uruguay nós temos a estrutura processual que é normal, uma decisão de 1º Grau, uma apelação e terminou. Em circunstâncias muito excepcionais que podem ir para um recurso especial ou extraordinário, que o nome diz que tem que ser especial ou extraordinário. Mas no Brasil 30% do que é julgado nos Tribunais de 2º Grau há recurso para os tribunais superiores, então deixou de ser especial ou extraordinário e passou a ser ordinário. 

O senhor falou que o desafio é ter uma jurisdição mais efetiva. Qual a sua avaliação, nesse sentido, dos modelos de autocomposição de conflitos, como a Justiça Restaurativa, a mediação?

São extremamente positivos. A Justiça Restaurativa é um importante trabalho que se faz na área da Infância e Juventude, que inclusive em outros estados vem a ser reconhecido e a mediação que é algo ligado à primeira-vice presidência (do Tribunal de Justiça), que o primeiro vice é o presidente do Nupemec (Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos), vem sendo algo que aponta no sentido de uma concepção de resolver o litígio, e não o processo. Porque as formas tradicionais resolviam o processo. Essas formas de autocomposição resolvem o litígio.

A conciliação também entra nesse contexto?

Da mesma forma. E nós temos instalado núcleos de conciliação e mediação em várias comarcas. Esse é um importante avanço da nossa Justiça.

A sociedade brasileira é conhecida por ser litigiosa, digamos assim. O cidadão brasileiro teria dificuldade de resolver os seus conflitos. O senhor acha que existe, mesmo, uma cultura do “litígio no país”?

Não me parece que essa afirmação seja, rigorosamente, verdadeira. O que ela tem de verdadeira é que, em relação às sociedades orientais em que faz parte da sua cultura a tolerância, o buscar formas não conflitivas de convivência; as sociedades ocidentais não têm essa característica. Mas não me parece que a sociedade brasileira, ou mesmo a gaúcha, seja por si mais conflitiva. O que causa os conflitos, principalmente os de massa, que são hoje o grande desafio do Judiciário, é um: a existência concreta dessas situações. Segundo: nichos da advocacia que se estabelecem nessas circunstâncias. E, em terceiro lugar, o sistema processual excessivamente complexo. E diria ainda que o fato de a Constituição ter prometido inúmeras prestações que depois o Estado não é capaz de atender. Mas, claro, quando nós temos hoje 200 mil ações de piso do Magistério não é porque haja uma “cultura do litígio” é que prometeram para os professores o piso do Magistério e o Estado não conseguiu pagar. Então, com “cultura do litígio” ou “sem cultura do litígio”, nós vamos ter. Só acho que isso seja verdadeiro no sentido que as nossas sociedades são mais individualistas que as sociedades orientais. Mas o grande número de processos vem de algumas causas objetivas. O fato concreto, nichos que encontraram ali mercado de trabalho da advocacia, o sistema processual extremamente complexo e um Estado que é cada vez mais incapaz de resolver questões que deviam ser resolvidas no âmbito administrativo.

Podemos dizer que o grande problema do Poder Judiciário que leva a essa demanda crescente e excessiva é a ineficiência do Poder Público?

Na área de Direito Público, certamente sim. Não tem dúvida nenhuma. Na área do Direito Privado, nós temos que buscar em outros locais essa explicação. Mas até grande parte do Direito Privado vem, por exemplo, da ineficácia das agências reguladoras. Se as agências reguladoras realmente regulassem de forma eficaz a prestação de energia elétrica, de televisão, de telecomunicações, a litigiosidade diminuiria muito.

Essa situação é o Judiciário tendo que fazer o papel de outro Poder?

E com um instrumental que não é próprio para resolver situações coletivas, que é um instrumental do processo individual.

O Judiciário tem algum mecanismo que possa obrigar o Poder Executivo a ser mais efetivo?

Eu diria que toda essa ação, por exemplo, hoje (14 de agosto, dia da entrevista) nós viemos de um fórum da saúde que foi feito com outras instituições, com Secretaria da Saúde, com Ministério Público, com Defensoria. O fato do Judiciário obrigar a fornecer medicamentos faz com que, de alguma forma, o Poder Público, o Executivo responda a isso, porque o custo do fornecimento judicial é mais alto do que se for feito na via administrativa. Mas esses mecanismos, embora de alguma forma criem uma situação que leva o Poder Executivo a prestar melhor, são instrumentos imperfeitos. Veja-se essa questão do pagamento do funcionalismo. Havia inúmeras decisões, inclusive do Supremo Tribunal Federal, determinando o pagamento em dia e mesmo assim o pagamento atrasou. É que quanto à responsabilização dos agentes públicos o nosso ordenamento jurídico é muito deficiente, porque a responsabilização é apenas política. Essa questão aí do atraso no pagamento dos servidores me perguntaram: “Descumpriram a decisão e não acontece nada?”, e eu: “acontece, sim.” É que o nosso ordenamento prevê como sanção para isso o eventual  impeachment do chefe do Poder Executivo, só que o impeachment depende de juízo da Assembleia Legislativa e não do Poder Judiciário.

Esse é outro grande problema do Poder Judiciário, o descumprimento das decisões?

Esse é um dos grandes déficits de efetividade da jurisdição. Quanto à algumas questões, realmente, não há solução, quanto a outras haveria. Eu me lembro, quando eu era juiz da Vara da Fazenda, houve aquelas questões das pensões integrais, que nem nós decidíamos aqui assim, o Supremo reformava as nossas decisões. Mas vindo as decisões do Supremo era preciso ser cumprida. Enquanto eu fui juiz da Vara da Fazenda, o presidente do IPERGS cumpriu e se não cumprisse a consequência seria a prisão, como determina a lei. Não porque nós quiséssemos, mas porque a decisão tinha que ser cumprida. Então, eu acho que depende de um comprometimento dos juízes no sentido de se fazer cumprir as suas decisões. Mas, em alguns casos, se fica com incapacidade material. Uma delas é a questão dos precatórios, que é a questão é que o Supremo Tribunal Federal, que é o Tribunal de última instância, disse que não decorria consequências do não cumprimento de precatórios, então  realmente os Tribunais inferiores ficaram de mãos amarradas.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é reconhecido como um dos mais eficientes do país. O senhor credita isso a quais fatores?

Eu credito isso a um histórico comprometimento da Magistratura gaúcha e também dos nossos servidores que fazem a Justiça. Mas eu devo deixar um alerta. Essa nossa situação, embora comparativamente ainda seja boa, as nossas taxas de congestionamento, sobretudo no 1º Grau, estão subindo. Se acontecer o que se anuncia, que é uma compressão do orçamento do Poder Judiciário, isso irá piorar, porque, por exemplo, não teremos condições de nomear mais servidores, de repor aqueles quadros onde existe absoluta falta. Eu acho que nós temos, todos nós, um compromisso político, que embora nós compreendamos que o Estado passa por dificuldades financeiras, a verdade é que o Judiciário não pode ser completamente alheio a esse quadro, mas nem ele tem meio de resolver a crise financeira do Estado, até porque segundo o que se anuncia, o déficit do Estado seria de mais de R$ 5 bilhões e o orçamento do Judiciário todo é R$ 3 bilhões. Então, mesmo que o Judiciário não existisse, nada gastasse, não iria resolver o déficit. Como nós temos umaa obrigação de sustentar as condições mínimas de funcionamento do Poder, e não por nós juízes, nem por nós servidores, mas pela população que é a destinatária do nosso serviço. Nós não podemos concordar de maneira nenhuma com a precarização dos serviços judiciários como nós vemos em várias outras áreas do serviço público.

O senhor falou, no começo da nossa conversa, sobre os principais desafios do Poder Judiciário. Diante dessa realidade, como projeta o futuro do Judiciário nos próximos anos?

Eu creio que o futuro do Judiciário depende, por um lado, das suas ações e nesse sentido nós temos segurança. As ações de ampliar métodos de resolução de conflitos como a mediação, como a conciliação, como a Justiça Restaurativa, como esse projeto que lançamos de administração das ações da saúde e também na área da Infância e da Juventude, na execução penal, a saída do preso do estabelecimento prisional, são ações que dependem do Judiciário e podem melhorar a nossa prestação de serviços à população. Outras não dependem do Judiciário, essas que eu te referi, por exemplo, do déficit de adimplemento em todas as áreas do Poder Público, da ineficiência das agências reguladoras, estão diretamente ligadas a demanda e a prestação jurisdicional. E aí depende de outros agentes, de outros atores, que não os membros do Poder Judiciário. Compete a toda a sociedade brasileira assumir que esse problema é sua responsabilidade e, como nós vivemos felizmente em um Estado Democrático de Direito, exercer a sua opção eleitoral tendo estes desafios como norte e buscando escolher os agentes que melhor possam desempenhar essas funções em prol da sociedade.

 

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