11 ago Painel retrata necessidade de autocrítica e revisão do papel dos meios de comunicação na questão prisional
Relação entre Judiciário e a imprensa também foi abordada na atividade do Seminário da AJURIS.
A participação dos meios de comunicação na construção da opinião pública sobre o sistema prisional foi objeto de painel realizado na tarde desta quinta-feira (11/8) no auditório do Foro Central II. Integrando a programação do Seminário Sistema Prisional e Direitos Humanos, a atividade reuniu representantes de veículos de imprensa do estado e teve a mediação do juiz da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas (VEPMA), Luciano André Losekann. A mesa foi presidida pelo juiz da Vara de Execuções Criminais (VEC), Sidinei José Brzuska.
Na abertura do painel “O olhar da mídia sobre o sistema prisional”, o presidente da AJURIS, Gilberto Schäfer, destacou o aniversário da Associação, ressaltando que nos 72 anos de história a entidade sempre participou de forma ativa e propositiva de debates sociais importantes e que o seminário justamente tem por objetivo marcar esta atuação. “São 72 anos de muita dedicação à defesa da Magistratura e também de muita reflexão sobre o papel do Judiciário na sociedade e da nossa contribuição social. Em 72 anos, muitas vezes nos manifestamos sobre questões que não afetavam diretamente a Magistratura mas que diziam respeito a toda a sociedade. A AJURIS tem se primado pela defesa de bandeiras importantes do ponto de vista social e este evento demonstra esta grande preocupação que sempre tivemos. Pretendemos seguir fazendo esta interlocução social”, pontuou.
O presidente da mesa, Sidinei José Brzuska, contou que em 2017 completará 20 anos de acompanhamento do sistema prisional. O juiz de Direito aponta uma preocupação recorrente na relação de produção das notícias, quando verifica-se que há reiteradas situações de distorção das informações veiculadas, ausência de contraponto ou de confrontar todas as partes envolvidas nas histórias, fazendo com que o que é noticiado muitas vezes se distancie da realidade. Esta situação intimida e dificulta a atuação e o posicionamento de representantes das instituições.
Profissionais de imprensa relatam impressões
Representando a Rede Bandeirantes de Comunicação, o jornalista André Machado relatou a pressão social a que os profissionais de sua área são submetidos para legitimar a opinião pública, em muitos temas desprovida de reflexão e questionamento. Grande parte da audiência sustenta argumentos preconceituosos sobre questões de segurança, em especial sobre o sistema prisional, e as pessoas esperam encontrar eco a este pensamento nos meios de comunicação. “Há uma enorme dificuldade em fazer com que as pessoas entendam que a pena tem que ter a função social de reintegrar e que o presídio não deve ser um ‘moedor de gente’. É este o discurso fácil ao qual estamos submetidos. Estamos cada vez mais incitados a fazer este discurso de ódio nos microfones”. Machado criticou o imediatismo e a falta de interesse em aprofundar os debates, característica marcante do contexto atual, tanto da parte de quem produz quanto de quem recebe a informação: “As pessoas querem uma opinião definitiva em 140 caracteres no Twitter”.
O jornalista e advogado Gustavo Victorino, da Rede Pampa, abordou o processo de seletividade na informação, apontando que a relação entre a Justiça e a imprensa já foi bastante tensa e que vem passando por um processo de distensão e abertura, permitindo à sociedade conhecer o trabalho dos magistrados sob um aspecto mais humano. Entretanto, ressaltou as divergências que permeiam a relação: “A fonte do magistrado é a lei. A da imprensa é a opinião pública”. O comunicador destacou que o modelo atual de veiculação de notícias em alta velocidade exige agilidade também na apuração da veracidade das informações recebidas.
Carlos Etchichury, editor-chefe do jornal Diário Gaúcho, representante do grupo RBS, saudou a iniciativa da AJURIS em promover o seminário, destacando que a Magistratura gaúcha é historicamente extremamente comprometida com os direitos humanos e especialmente com a situação prisional. O jornalista relata que até 2008 a imprensa “via a questão prisional através de binóculos”, uma vez que praticamente não tinha acesso ao interior de unidades prisionais. A conjuntura, conta, foi alterada a partir de pedido formal da OAB e da receptividade dos juízes da VEC, quando os veículos conquistaram “a possibilidade de entrar no Presídio Central, e contar para a sociedade o que acontecia lá dentro”. A mudança permitiu uma série de ações e reportagens para mostrar o presídio e a forma como os apenados são tratados, o que, acredita Carlos, favorece a reflexão sobre o sistema.
A representante da rede Record, Luciane Echevarria, admitiu que “é necessário um maior aprofundamento da mídia sobre o sistema penitenciário”. Citou o apoio da VEC sempre que solicitada, destacando que a programação da emissora é marcada pela participação intensa do público, que muitas vezes exige uma determinada postura. “Existe uma cobrança da opinião pública para que o jornalismo reflita essa linha. Nosso desafio é mostrar a importância das ações positivas no sentido da ressocialização. Nosso desafio é buscar um equilíbrio”, sustentou.
Pelo SBT, falou o jornalista Andrei Rossetto, que buscou fazer uma crítica interna à maneira como as notícias sobre o sistema prisional são apresentadas. Segundo o repórter, “participamos de um jogo complexo da construção da consciência do cidadão. A mídia, com honrosas exceções, ajuda a propagar a ignorância sobre o sistema penitenciário e retroalimentar a cultura do ódio”. Rossetto criticou a falta de reflexão sobre a avaliação do impacto das ações da imprensa na sociedade, o que contribui para a construção e a manutenção da cultura do ódio. “O relato midiático cria sua própria realidade usando o imaginário das pessoas. Esta forma de abordagem que nós temos que mudar”, pontuou, concluindo que “a sociedade deve cobrar do jornalismo que não se desvirtue de sua função social”.
Cid Furtado, representando a TVE, apresentou o ponto de vista da comunicação pública, que, segundo ele, não deve seguir a mesma lógica das redes privadas na construção da notícia. “Temos como papel e missão tentar ajudar a construir na sociedade uma visão diferente. Nossa busca é tentar levar outro conceito para a sociedade através do debate e com informações positivas, que possam ajudar a construir”. Para o profissional, o momento é de releitura do mecanismo de ação da imprensa, tanto na comunicação pública quanto no sistema privado. Criticou o uso da exploração da tragédia humana no jornalismo factual. “O ser humano tem um gosto especial pela tragédia, pela dor do outro. A TV vende o crime como produto. Temos que ajudar a mudar este conceito”, apontou. Por fim, sugeriu aos gestores dos sistemas de segurança e de Justiça que busquem na TV educativa um espaço para fazer esta construção positiva.
Ao final das explanações, os comunicadores responderam aos questionamentos enviados pela plateia. Na conclusão do painel, o juiz Luciano Losekann destacou que normalmente “o tempo da imprensa não é o tempo do juiz”. E que há um contraste entre o imediatismo de um e a necessidade de resgate e análise do passado do outro, o que pode provocar a falta de sintonia. Reforçando a importância do debate oportunizado pelo Seminário da AJURIS, destacou que o evento serve para auxiliar na desconstrução de um conceito amplamente utilizado nas Ciências Sociais de que as instituições prisionais são fechadas, totais, ressaltando que nas últimas décadas as instituições tornaram-se muito mais abertas e sujeitas ao controle social, principalmente através da inserção da imprensa.
Entre as autoridades presentes no primeiro dia do Seminário: o Diretor do Foro da Comarca de Porto Alegre, Amadeo Henrique Ramella Butelli, representando a Administração do Tribunal de Justiça do RS; a Defensora-Pública Geral em exercício, Cassandra Sibenberg; a executiva sócio-ambiental do Banrisul, Roseli Panta; a diretora do Departamento de Justiça da Secretaria Estadual de Justiça e dos Direitos Humanos, Ana Severo, representando o Governo do RS; o tesoureiro-adjunto da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mauro Caum Gonçalves; o diretor do Memorial do Judiciário do RS, desembargador José Carlos Teixeira Giorgis; o presidente da Associação do Ministério Público do RS, Sérgio Hiane Harris; representando a Fundação Escola Superior do Ministério Público, o doutor Cezar Faccioli; o diretor da escola da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe), João Eduardo Reymuni; o diretor da Penitenciária Estadual de Charqueadas, Marcelo Felipe; a diretora do Departamento de Tratamento Penal da Susepe, Mara Borba Minotto; a procuradora do Estado, Roberta Arabiane Siqueira; a presidente do Conselho da Comunidade de Porto Alegre, Simone Messias.
Juliana Campani
Departamento de Comunicação
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