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Os sem-voto

Os sem-voto

Estamos, lamentavelmente, prestes a inaugurar uma nova classe de desembargadores: os sem voto .
Muitos brasileiros lembram o tempo em que a sociedade brasileira convivia com os políticos sem-voto. Era assim no regime militar de 1964, com os governadores de estado e prefeitos das capitais, que ao invés de serem eleitos pelo povo, eram escolhidos pelo Presidente da República. Tivemos também os senadores biônicos, que não eram eleitos pelo povo.. Atualmente, temos também os senadores sem-voto, que são os suplentes dos titulares, assumindo o lugar dos titulares, representando cerca de 20% das cadeiras da Câmara alta.
Mas não foi apenas no Poder Executivo e Legislativo que a ditadura militar pretendeu restringir o exercício da democracia direta, praticada pelo povo. Deixou a ditadura também sua marca no Poder Judiciário, com a promulgação da lei Complementar n° 35/79, que regula, entre tantos assuntos, a eleição nos tribunais pátrios de seus órgãos administrativos.
No Brasil os juízes não são eleitos. A maioria ingressa na carreira pela via do concurso público, em que pese alguns o façam por escolha do Presidente da República (Supremo Tribunal Federal, Tribunais Superiores e Regionais Federais) e, nos Tribunas de Justiça, pelo Governador do Estado.
De qualquer sorte, um Tribunal precisa ser administrado, cabendo tal encargo, nos Estados, aos desembargadores. E, conforme a referida Lei, o Presidente, seus Vices e o Corregedor-Geral da Justiça devem ser eleitos entre os desembargadores mais antigos, afastando-se, portanto, o princípio democrático basilar de que todos podem votar e ser eleitos. Lei essa que o STF, que tem iniciativa privativa para propor ao Congresso Nacional que seja modificada, até hoje não pretendeu alterar.
Nosso Tribunal de Justiça afastou a aplicação dessa disposição, permitindo que sejam eleitos para os referidos cargos os desembargadores que se encontrem dentro do terço mais antigo embora o ideal é que todos fossem elegíveis. Ainda assim, tal regra é melhor do que a prevista na lei da ditadura militar.
Bem, na recente eleição ocorrida no TJRS, foram eleitos cinco desembargadores que formavam uma chapa encabeçada pelo Des. Leo Lima, que suplantou o grupo liderado por um colega. E, uma vez sendo esse derrotado, os demais integrantes de sua equipe retiraram a sua candidatura. Além disso, como já ocorrera em oportunidades anteriores, houve candidaturas avulsas para as vice-presidências, derrotadas pelos desembargadores da chapa eleita.
A ideia é que os derrotados, aceitando o princípio democrático de que a maioria vence, aceitassem o resultado, vindo a ocorrer o contrário, pois os desembargadores que aspiravam às vice-presidências, esgrimindo com dispositivo de uma lei vetusta e autoritária, recorreram ao Supremo para desconstituir a eleição por eles perdida e impor ao TJ a sua posse nos citados cargos. E talvez tenham sucesso, em vista de precedentes daquela Corte. Portanto, a despeito de não terem votos suficientes para serem eleitos por seus pares, aqueles querem tornar-se vice-presidentes do TJ gaúcho de forma imposta.
Ora, para a administração de uma instituição, pública ou privada colegiada, é necessário entendimento entre os que o fazem. Por certo, o presidente do TJ não terá um bom relacionamento com os seus vices se não forem eles os que formaram a sua chapa, mas aqueles que, perdendo a eleição, ganharem o cargo com base em decisão judicial. Estamos, lamentavelmente, prestes a inaugurar uma nova classe de desembargadores: os sem-voto. Espera-se que isso não aconteça, para o bem do Tribuna de Justiça e da própria sociedade gaúcha.
Pedro Luiz Pozza
Juiz de Direito de Porto Alegre