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Os deveres do cargo

Os deveres do cargo

A recente manifestação de um oficial da Brigada Militar, pretendendo transmitir ao Poder Judiciário a responsabilidade pelo caos na segurança pública de Porto Alegre, impõe atenta reflexão àqueles que, tendo o dever de assegurar a ordem social, preservam o discernimento que acompanha os deveres do cargo que ocupam. O correto enfrentamento da violência não será alcançado por meio da cobertura sensacionalista que a mídia emprestou à crise existencial de quem deveria comandar com serenidade a prevenção da criminalidade.
As promessas de melhoria para a segurança pública são uma constante entre candidatos ao Governo estadual, como se verá ao longo de 2010. Por isso, é inadmissível que após três anos de gestão, o atual governo, por meio de um oficial da Brigada Militar, pretenda se eximir da sua responsabilidade, para sustentar o insustentável: que algumas pessoas, porque vivem em locais como a Vila Santa Terezinha, Bom Jesus ou Cruzeiro, devem ter seus direitos humanos relativizados, sugerindo que os juízes estariam sendo criteriosos demais ao examinar – à luz das garantias constitucionais – os direitos dessas pessoas, pois sendo favelados, pobres, negros, desempregados ou com ficha na polícia, seu lugar, a priori, é na cadeia.
A magistratura gaúcha desfruta de merecido reconhecimento na sociedade, pela qual é apontada como a mais confiável do país, justamente pelo compromisso de seus integrantes com a dignidade da pessoa humana, independentemente de sua origem ser abastada ou humilde. Justiça acreditada, porque justa.
Sob outro ângulo, o exemplo invocado desnuda a incapacidade de um olhar abrangente sobre a violência. Limita-se ao caso de uma mulher presa e solta (por satisfazer os requisitos previstos na lei), sem considerar a desigualdade social como fator desencadeante da criminalidade. Porto Alegre convive com furtos, roubos e homicídios. Crimes que atingem a todos, inclusive magistrados e seus familiares que habitam a capital.
É obrigação do Governo se preocupar com a mulher que está na esquina vendendo crack. Essa preocupação, contudo, seria mais eficaz se traduzida em políticas públicas capazes de evitar seu ingresso no crime. O Governo deveria se preocupar com a criança que não tem acesso à escola pública de qualidade; a adolescente que não tem acesso ao ensino profissionalizante; a jovem que não consegue uma vaga de estágio; a adulta que não consegue emprego e, então, vê-se aliciada pelo tráfico, indo vender drogas na esquina – mesmo quando não possui qualquer antecedente policial, como se observa cotidianamente no Plantão Judicial do Foro Central.
Nesse contexto, desabafos panfletários, oriundos de quem detém posição de comando, sugerem incapacidade de suportar a pressão inerente aos deveres do cargo. Pressão que é bem conhecida da magistratura gaúcha, a qual julga o maior volume de processos/ano no Brasil, sem sucumbir à emoção. Na esfera criminal, esse trabalho se traduz em presídios abarrotados. Acredita-se que a valorosa Brigada Militar, cuja trajetória de serviços prestados à sociedade é de todos conhecida, saberá restaurar a sobriedade no comando da tropa.
Roberto Arriada Lorea – Diretor do Departamento de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos, da AJURIS