15 fev O mundo encantado dos golfinhos, por Luis Carlos Rosa
Artigo de autoria do juiz de Direito Luis Carlos Rosa, publicado no dia 8 de fevereiro em coluna semanal no Jornal das Missões, de Santo Ângelo.
A sala de audiências do Juizado Regional da Infância e Juventude, com toda a certeza é um dos locais do Foro de maior tensão emocional, onde pessoas se digladiam, onde se procura resolver problemas de quem vive em miséria existencial, afetiva e social, sendo chamados para as audiências os mais diferentes órgãos e pessoas que fazem parte da rede protetiva voltada às crianças e adolescentes, onde inúmeros encaminhamentos são dados na busca de uma solução, sendo esgotadas todas as tentativas para uma mudança na vida das pessoas, o que muitas vezes acaba no vazio.
Naquela sala de audiências já vi passar crianças e adolescentes carentes de afeto, crianças e adolescentes que passam boa parte de suas vidas em abrigos, vítimas de uma realidade que não desejaram, alguns filhos de pais desconhecidos, outros filhos de pais alcoólatras e drogaditos, muitos outros vítimas de maus tratos, outros sem ter ninguém da família que os acolha, todos esperando ansiosamente pelas audiências de revisão das medidas protetivas, na esperança que o Juiz tenha a solução para seus problemas. Ocorre que infelizmente não se cria afeto com uma decisão judicial, não se muda a conduta de pais negligentes com um canetaço, e o tempo passa e essas crianças e adolescentes se tornam adultos.
É extremamente frustrante acompanhar esses adolescentes nos abrigos, dar encaminhamentos que não surtem efeitos, esbarrando os esforços na estrutura capenga da rede protetiva, que conta com pessoas extremamente abnegadas pela causa, mas embora todos os esforços, em muitos dos casos, não se consegue mudar a história de vida destas crianças e adolescentes.
É muito triste para mim constatar que crianças e adolescentes que foram vítimas da negligências e violências por parte da família, que foram encaminhados pelo Conselho Tutelar e que tiveram medidas protetivas aplicadas, não conseguiram vencer as dificuldades, passando de vítimas a vitimizadores, o que tenho observado com uma certa frequência lendo notícia de crimes praticados por esses jovens, alguns de extrema gravidade, me fazendo ter a certeza e a frustração de que falhei eu, falhamos nós da rede protetiva, falhou a sociedade, falhamos todos, na medida em que não conseguimos proteger de uma forma eficaz essas pessoas.
Quando a intolerância e a falta de afeto reina na sala de audiência, com discussões irracionais entre pais e familiares, algumas vezes me paro a olhar um dos quadros que emoldura as paredes da sala, refletindo de como o ser humano é perverso, neste quadro há um desenho de um grupo de golfinhos onde no centro nadam os filhotes tendo ao redor lhes dando proteção os adultos do grupo, naquele quadro está escrito: “No mundo encantado dos golfinhos não há abandonados. Todos são filhos da mesma sociedade, ao contrário de nós homens e mulheres”.
Um bom final de semana a todos.