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“Nos EUA, o racismo é forte, inclusive no sistema legal”, diz Daniel Neves Pereira

“Nos EUA, o racismo é forte, inclusive no sistema legal”, diz Daniel Neves Pereira

A morte do negro George Floyd por um policial branco escancarou o racha racial na sociedade americana que nem o primeiro presidente negro da história dos EUA, Barack Obama, conseguiu reduzir.

– Nos EUA, o racismo é muito forte inclusive dentro do sistema legal – pontua o diretor do Departamento de Direitos Humanos e Promoção da Cidadania da Ajuris, o juiz Daniel Neves Pereira (foto).

Na terça-feira, o tema será debatido no webinário Black Lives Matter, organizado pelo Comitê de Direitos Humanos da International bar Association, com apoio da Sociedade Americana de Direito Internacional. O evento virtual é aberto ao público e será em inglês (mais informações em gauchazh.com/rodrigolopes). Pereira conversou com a coluna.

Por que os americanos não conseguem resolver o racismo sistêmico?

Há uma diferença entre o racismo americano e o brasileiro. Nos EUA, é muito mais visível na sociedade, as pessoas demonstram mais claramente uma posição racista. Nossa sociedade tem diferenças, há o racismo histórico, tanto que a gente precisa recorrer ao sistema de cotas, mas é algo mais velado. Nos EUA, há claramente pessoas que acreditam que a raça é importante e que os brancos têm alguma diferença com relação às demais. O racismo é muito forte inclusive dentro do sistema legal. Primeiro, há a escravidão, com a diferença que lá, depois que houve a liberação dos escravos, ainda houve as leis de Jim Crow, que legalizavam a segregação racial. E isso começou a cair na década de 1950. Há uma geração nos EUA que conviveu com a segregação legalizada, e esse povo ainda está lá. Elas de certa forma consideram muito mais normal do que nós (os atos racistas). No Brasil, houve a escravidão, a abolição e, depois, não houve legalmente nada fazendo uma segregação racial. O povo é mais misturado, mestiço.

Nos EUA, o racismo está mais arraigado na sociedade?

É mais arraigado, mais evidente, mas, ao mesmo tempo, não quer dizer que seja mais cruel. Em nossa sociedade, o racismo é mais velado. Lá, os comportamentos racistas são mais abertos.

Como se combate o racismo, na sua opinião?

São problemas que se resolvem em gerações. Não há como, de um dia para o outro, se resolver uma questão tão complexa como essa. Momentos como a morte de George Floyd, essas mobilizações, fazem com que a gente repense. No caso de George Floyd, não só os negros saíram às ruas para protestar. Via-se brancos indignados. Esses momentos históricos são importantíssimos, serão lembrados no futuro como de grandes viradas.

Havia a expectativa com relação a mudanças nas políticas raciais durante o governo de Barack Obama. Mas o fato de ter sido o primeiro presidente negro da história americana não foi determinante para reduzir o problema.

Na verdade, até uma das palestrantes (do webinário), Michelle Alexander (escritora americana, advogada especializada em direitos civis), coloca que, em sendo estrutural, o racismo permite inclusive que se conviva com negros de grande sucesso, e isso às vezes até atrapalhe a própria evolução. Serve como uma justificativa: “Olha, nossa sociedade não é racista porque temos um presidente negro”. Esses expoentes fazem parte de todo um sistema que pode até justificar o racismo estrutural. É perverso. A eleição de Obama vem nesse contexto: o racismo institucionalizado permite isso. Não faz florescer.

 

Daniel Neves Pereira é juiz de direito e diretor do Departamento de Direitos Humanos e Promoção da Cidadania da AJURIS. Entrevista concedida ao jornalista Rodrigo Lopes e publicada na edição de final de semana dos dias 13 e 14 de julho do jornal Zero Hora.