12 out Mediação intercultural: uma realidade a pensar, por Genacéia Alberton
Artigo publicado pela desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Genacéia Alberton no jornal O Sul deste domingo (12/10)
Estimular a mudança de atitudes, propiciar a participação efetiva de todos com reconhecimentos mútuos será para o programa de mediação uma perspectiva enriquecedora com a diversidade para o fortalecimento dos valores do reconhecimento do outro e da solidariedade social.
O recente ingresso de imigrantes em nosso Estado traz à discussão um tema que, na Europa, tem se desenvolvido, o da mediação intercultural. Aliás, esse foi um tópico do X Congresso Mundial de Mediação, realizado em Gênova, na Itália, de 22 a 27 de setembro.
Não há falta de legislação porque cada país tem sua normativa própria, além de observar as diretrizes internacionais. No Brasil, por exemplo, temos a Lei 9474-97 referente à proteção dos refugiados, a Lei 6.815-50, denominada Estatuto dos Estrangeiros. Porém, como apontou a Leila Bijos em artigo intitulado Reavaliação do Conceito de Refugiados, o aprofundamento dos fluxos entre os espaços mundiais acelerou conflitos e os Direitos Humanos, o Direito Humanitário e a Convenção de Genebra, relativa ao Estatuto dos Refugiados, não demonstram completa eficiência e eficácia para garantir proteção integral do ser humano.
A procura de espaços, longe de possíveis limitações de seus países de origem, contribuiu para o que se passou chamar refúgio. Embora o Brasil tenha atuado diretamente na integração de estrangeiros na condição de refugiados, especialmente originários da África e da América do Sul, constituindo a grande maioria angolanos, o foco que merece olhar é o da mediação intercultural.
Não se trata apenas de se preocupar com emergências humanitárias, relações de trabalho, mas, também, de facilitar a comunicação entre os migrantes e a relação desses com os nacionais, prevenindo ou atendendo conflitos.
É importante desenvolver espaço para que os nacionais, especialmente jovens e crianças, desenvolvam a sensibilidade para o outro, para o diferente, olhando para o que nos une, a humanidade, e aprendendo com o que é diverso.
Os entraves à mediação intercultural iniciam com a dificuldade de comunicação, compreensão da língua do “migrante”, termo genérico utilizado no Congresso. Acrescente-se a isso seus costumes e crenças, que devem ser respeitados. Aliás, o respeito à dignidade do migrante, a superação dos preconceitos e inclusão efetiva do estrangeiro à atuação de mediador foram algumas das questões trazidas à discussão no X Congresso Mundial.
E certo que mesmo para uma mera assistência humanitária, o migrante detém confiança em quem fala sua língua de origem, eficaz para manifestação de sentimentos e emoções. Por outro lado, a escuta ativa do mediador fica prejudicada com a intervenção de um intérprete. E aí surge outra questão, o estrangeiro será um mero tradutor ou deverá haver um esforço para preparação de lideranças entre os migrantes para atuarem em comediação com nacionais?
Não é caso, pois, de mera tolerância, mas sim, de reconhecimento. Esse é o alerta que fazem Alejandro Nato, Marfa Gabriela Querejazu e Liliana Carbajal na obra “Mediación Comunitaria. Conflictos en eI Escenario Social Urbano”. E aí é importante destacar que a diversidade cultural é questão complexa e transcende às fronteira físicas convencionais. Embora a maior preocupação seja com os migrantes, que vêm sem destinação definida e que se apresentam no País com pedido de permanência e trabalho, é necessário ter presente que a cada dia recebemos estrangeiros que desejam encontrar oportunidade em nosso Estado. São estrangeiros, refugiados e migrantes estrito senso que exigem inserção social e atendimento de seus conflitos.
E tempo, pois, de pensarmos na necessidade de lançarmos o olhar para um outro viés em que a mediação poderá contribuir no espaço da interculturalidade. Estimular a mudança de atitudes, propiciar a participação efetiva de todos com reconhecimentos mútuos será para o programa de mediação uma perspectiva enriquecedora com a diversidade para o fortalecimento dos valores do reconhecimento do outro e da solidariedade social.
Genacéia Alberton
Coordenadora do Núcleo de Estudos e Mediação ESM-Ajuris