fbpx

Idade Penal: Uma reflexão necessária, por João Batista Costa Saraiva

Idade Penal: Uma reflexão necessária, por João Batista Costa Saraiva

O Estatuto da Criança e do Adolescente, sancionado há mais de vinte anos, se constitui na versão brasileira da Convenção das Nações Unidas de direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral da ONU em Novembro de 1989.

O Brasil teve a primazia no cenário internacional em readequar sua legislação interna aos termos da Convenção, circunstância que o projetou internacionalmente.

Muitos países ainda hoje se defrontam com a adaptação de suas legislações à Convenção. A Argentina, por exemplo, finalmente, está na iminência de ver aprovada a Lei de Responsabilidade Penal Juvenil. Outros fizeram reformas cosméticas e outros ainda já produziram a reforma da reforma. Para permanecer no âmbito latino-americano citemos Chile e Colômbia, ambos com leis de responsabilidade penal juvenil bem recentes. Nestes países a lei fixa em 14 anos o início da adolescência, que se conclui aos 18 anos, e estabelece faixas entre 14 e 15, e 16 e 18 anos, com sanções que podem ir até oito anos de privação de liberdade para delitos graves, no caso Colombiano, e ate dez anos, no caso Chileno.

Nesse mesmo paradigma a Costa Rica se mantém como sendo a Nação Latino-americana que apresenta uma legislação muito avançada em termos de garantias processuais, embora preveja limites máximos de privação de liberdade que vulneram o princípio da brevidade incorporado à Convenção dos Direitos da Criança. Na Costa Rica um adolescente poderá sofrer até quinze anos de privação de liberdade em delitos gravíssimos.

No panorama europeu, tão bem descrito por Carlos Vazquez Gonzáles, em seu Derecho Penal Juvenil Europeo, e muito bem sintetizado no Brasil por Sérgio Salomão Shecaira em Sistemas de Garantias e Direito Penal Juvenil, Alemanha e Espanha estão na vanguarda da ordem jurídica. Naquele está proposto para certos delitos praticados por adolescentes entre 14 e 18 anos, sanções socioeducativas idênticas às nossas, com possibilidade de privação de liberdade de até dez anos. Na Espanha, com faixas distintas, entre 14 e 16 anos e 16 e 18 anos, as sanções podem ir de quatro a oito anos de internação. Ambos estes países preveem ainda a possibilidade de a legislação juvenil aplicar-se a jovens adultos, até 21 anos, em face de delitos praticados sem violência à pessoa.

Em certa medida, quase todos os países ocidentais adotam este modelo, e, em exuberante maioria, fixam a idade de início da vida adulta e de imputabilidade penal em 18 anos, cada qual, como o Brasil, com um modelo de responsabilização juvenil para menores de 18 anos, nos termos da Convenção.

A propósito da Convenção, os Estados Unidos da América, paradoxalmente ao lado da Somália, não a ratificaram. Os norte-americanos não ratificaram a Convenção pela impossibilidade de cumpri-la em face da realidade interna, onde cada Estado dispõe de uma legislação penal própria. Como a Convenção veda a pena de morte e a prisão perpétua e determina um tratamento mais favorável aos menores de 18 anos do que aos maiores desta idade, coerentemente os Estados Unidos deixaram de assinar o tratado.

Assim, invocar os Estados Unidos como referência no tratamento da justiça juvenil faz-se tão inadequado quanto a referi-los como referência no lançamento de efluentes na atmosfera, pois tal qual como no caso do Protocolo de Kyoto, os norte americanos não tem os mesmos compromissos com a comunidade internacional que aqueles países signatários da Convenção dos Direitos da Criança.

Ainda assim os norte americanos tem se movimentado no sentido de abrandar as regras de alguns de seus Estados. Em 2005, no caso Roper x Simon a Suprema Corte afirmou a inconstitucionalidade da pena de morte para menores de 18 anos. No ano passado, em caso originário do Estado da Flórida, do jovem Terence Graham, com 16 anos de idade ao tempo do fato, a Suprema Corte afirmou a inaplicabilidade da prisão perpétua para pessoas com menos de 18 anos para delitos que não de homicídio. Em ambas as decisões se percebe uma tendência de caminhar na busca de adequar a legislação norte americana aos padrões internacionais em face de menores de 18 anos e quem sabe habilitar-se à ratificar a Convenção, como sinalizado pelo Presidente Clinton ao final de sua gestão e que permaneceu congelado nos anos Bush.

O Estatuto Brasileiro estabeleceu o início da adolescência em 12 anos. Começa ai, pois, a responsabilidade penal juvenil, que não se confunde com imputabilidade penal, mas que sujeita o adolescente a sanções socioeducativas, nos termos do art. 228 da Constituição Federal, cujas, podem, inclusive suprimir-lhe a liberdade. Nesse particular, alista-se o Brasil como um dos países com legislação mais dura, pois a maioria absoluta fixa em 14 anos a idade de início da responsabilidade juvenil.

Em vista do panorama internacional e dos vinte anos de experiência com o Estatuto, razoável que se cogite em sua atualização, tal e qual se procedeu recentemente em face da Lei 12.594, que tratou da execução das medidas socioeducativas ou da adoção, através da Lei 12.010/2009, que introduziu profunda reforma no sistema de proteção, com repercussões no modelo recursal e nos critérios de aplicação de medidas socioeducativas, consagrando expressamente, ambas as leis, na ordem infraconstitucional, ao lado de outros preceitos, o princípio da proporcionalidade, constitucionalmente assegurado.

Tal atualização resulta necessária diante de inúmeros avanços alcançados pelo Direito Penal nesses vinte anos, seja com o advento da Lei 9.099, seja pela Lei Maria da Penha, seja pela consolidação de uma leitura garantista do Direito acumulada ao longo dos anos 90, seja pela realidade sócio-econômica de nossos dias e as questões introduzidas pelo crime organizado e o tráfico de armas e drogas.

Nessa dimensão, focar a questão da delinquência juvenil, no contexto da segurança pública, por conta do crescimento da violência como um todo, propondo a redução da idade de imputabilidade penal, traduz uma leitura simplista e inadequada da problemática, ignorando os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, por um viés marcadamente demagógico.

 

*Artigo publicado em 2011.