fbpx

Direito à saúde, por Lúcia de Fátima Cerveira

Direito à saúde, por Lúcia de Fátima Cerveira

Artigo de autoria da desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Lúcia de Fátima Cerveira.

 

A Constituição Federal em vigor, em seu artigo 5º, assegura a todos o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

São direitos humanos fundamentais à pessoa humana – considerada tanto em seu aspecto individual como comunitário (direitos individuais e coletivos) que, no dizer de José Castan Tobenãs, “correspondem a esta em razão de sua própria natureza de essência ao mesmo tempo corpórea, espiritual e social e que devem ser reconhecidos e respeitados por todo poder e autoridade, inclusive as normais jurídicas positivas…”.

Busca-se, com tal, preservar a dignidade, a liberdade e a igualdade. Um dos requisitos indispensáveis à dignidade, fora de qualquer questionamento, é o direito à saúde.

E como a maior parte do povo é pobre e depende, em sua maioria, do Sistema Único de Saúde, e porque este vem se revelando extremamente falho, quer na atualização do rol de medicamentos necessários à população, quer na marcação de consultas com especialistas, consequentemente, de cirurgias e tratamentos das mais diversas doenças – até por que no Brasil pouco se faz em termos de medicina preventiva – e como consequência os cidadãos carecem de “saúde”no exato sentido da palavra, transborda no Judiciário gama bem variada de ações tendentes à obtenção dos mais variados medicamentos e tratamentos cirúrgicos ou não.

Assim é que existe enorme volume de ações destinadas desde à obtenção de fraldas geriátricas até a importação de medicamentos liberados pela ANVISA mas inexistentes no país.

Despiciendo dizer, por óbvio, que tal contexto só onera mais e mais a situação da saúde pública. Um processo tem seu custo avaliado em torno pouco menos de setecentos reais…e muitas vezes objetiva o fornecimento de remédios de trinta, quarenta, cinquenta reais, valores baixíssimos, mas que o povo empobrecido não pode fazer frente sem prejuízo do próprio sustento. E quem paga por isto é a população… a mesma população pobre e doente, também a nem tão pobre, mas que culmina contribuindo para um gasto que ao fim e ao cabo, no mínimo poderia ser muitíssimo menor.

Mas não interessa aqui criticar tal estado de coisas, até porque ao Judiciário incumbe julgar os processos, não criticar quem os propicia, ainda por que não existem respostas simples, e não se pode proceder de modo leviano a ponto de ser simplista para examinar tais situações.

Pior, como diz o velho ditado, “se há a lei, há a trampa”, o que significa que se grassam ações tendentes ao resgate da dignidade consistente no direito à saúde, da mesma forma pululam ações que objetivam apenas e tão-somente, a título de “preservação da saúde e da dignidade” extorquir ilicitamente numerário público.

Existem verdadeiras quadrilhas que de tudo fazem para obter bloqueio de valores para realização de cirurgias nem sempre urgentes, mas sempre hiper-faturadas, até criaturas tentando obter numerário para aquisição de cadeiras de rodas desnecessárias e teoricamente objeto de aquisição em locais que simplesmente não existem, ou que não comerciam tal tipo de mercadoria. Isso sem falar daqueles que recebem valores menores e deles não prestam conta, ou que abandonam tratamentos e não se preocupam em comunicar tal fato, forçando o Estado a adquirir insumos medicinais extremamente desnecessários.

Tantos os golpes e tentativas, que é extremamente extenuante a situação do Magistrado que se depara diuturnamente com inúmeros pedidos da espécie, sem ter como saber – às mais das vezes – quais os efetivamente necessários e quais os golpes a serem evitados.

O direito à vida e à dignidade, entretanto, em seu exercício, cede às exigências do bem comum. E é com base em tal premissa que muitos e muitos golpes podem ser evitados, e que pode ser, por exemplo, suspensa a medicação de quem percebe valores e deles não presta conta.

A forma de penalizar tais pessoas, entretanto, é extremamente falha, quer por ausência de forma típica própria, quer por que as existentes esbarram na Lei das Execuções Penais, sabido que o Brasil lamentavelmente tem, nesta última, uma das legislações mais flácidas do mundo. Existem muitas formas de matar: desviar dinheiro da saúde, educação e segurança é das mais comuns.

Contudo, desde uma vez que o Congresso Nacional está em momento de renovação, fica um convite a todos, independentemente de partido ou posição para que reflitam numa forma de melhor punir estes homicidas em potencial.

Até porque, sabido é, a certeza da impunidade é a madrinha da criminalidade.

 

Lúcia de Fátima Cerveira
Desembargadora do TJ/RS