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Contra tudo que é absoluto, por João Batista Costa Saraiva

Contra tudo que é absoluto, por João Batista Costa Saraiva

Artigo de autoria do juiz de direito aposentado e professor da Escola Superior da Magistratura, João Batista Costa Saraiva, publicado na coluna da AJURIS no jornal O Sul desta segunda-feira (19/01).

 

Este absurdo episódio na França, simbólico de um mundo enfermo, com mais de uma dezena de mortes de jornalistas, em vingança a uma suposta ofensa ao profeta Maomé, é revelador do abismo em que a humanidade vem se afundando no radicalismo e na intolerância. É mais um capítulo de um cenário de mortes, bombardeios, decapitações, estupros, fome, miséria, intolerância, violência sem limite, por todo lugar. Inclusive em nosso quintal.

Isso me faz recordar de texto de Gotthold Ephraim Lessing, poeta e dramaturgo alemão do século XVIII. Em “Nathan, O Sábio”, repudia tudo que se pretenda absoluto. Tudo que se pretenda como verdade única, monopólio do bem comum. O foco é a tolerância religiosa. Afinal, foi um dos objetivos centrais do Iluminismo, que fundou e nos legou a democracia moderna. A parábola dos anéis, no drama de Lessing, permite que façamos, duzentos anos depois de sua morte, uma reflexão que permanece atual.

A alegoria construída diz que três anéis inteiramente idênticos simbolizam as três grandes religiões: o cristianismo, o judaísmo e o islamismo. Acontece que somente um dos anéis é legítimo. Apenas um possui a característica de “tornar seu portador agradável para Deus e as pessoas humanas”. Mas já que os três não podem ser diferenciados, “cada um dos três proprietários de anel tem de agir como sendo o seu anel o legítimo: pondo em prática a atitude humanitária e o comportamento solidário, que são os efeitos atribuídos ao anel”. A conclamação de Lessing à atitude humanitária e tolerância das diversas religiões e de todas as pessoas entre si se faz mais atual do que nunca.

É impressionante que na medida em que se busca construir a ideia de democracia e convivência entre os diversos, cada vez mais manifestações de intolerância, aqui ou ali, se multiplicam. Basta acessar as redes sociais para uma pequena amostra, sejam coxinhas ou petralhas…

A incapacidade de conviver com o diferente, com as minorias, com os que pensam de forma diversa nos vem arrastando para um impasse, que, em certa medida, Tzvedan Todorov com precisão apontou em seu notável “Inimigos Íntimos da Democracia”, a partir dos efeitos do 11 de setembro sobre o Mundo e a democracia. A obra de Todorov é outra leitura importante para tentar entender este tempo de tanta contradição, presidido pelo politicamente correto, uma forma contemporânea de um novo totalitarismo supostamente acolhedor.

O que se tem assistido, de maneira crescente, é que cada um se vem pretendendo detentor de uma verdade, que exclui o outro. Não é à toa que no âmbito dos conflitos interindividuais, por exemplo, tomando o Poder Judiciário brasileiro como parâmetro, as demandadas cresceram em proporções exponenciais nos últimos anos, praticamente colocando a máquina judiciária de joelhos diante de um volume assombroso de conflitos.

A par de tudo isso, aquilo que deveria aproximar as pessoas, a cada momento parece afasta-las, enfatizando-se as diferenças, sejam de raças (existem? Somos humanos, esta é nossa raça). Ou de gêneros, ou disso ou daquilo. A necessidade de afirmação da diferença, seja chamando a presidente de presidenta, ou qualquer outra, fez outro dia alguém saudar um grupo de pessoas de sua classe trabalhadora como colegas e colegos… Certamente, o Século XXI inicia de forma bem diversa daquela que as pessoas da minha geração haviam imaginado ouvindo Beatles e Roling Stones…

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