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Boaventura faz provocação: a Covid-19 fez os povos parecerem índios com a chegada dos colonizadores

Boaventura faz provocação: a Covid-19 fez os povos parecerem índios com a chegada dos colonizadores

“A pandemia nos deu a ideia da fragilidade humana, pois ninguém estava preparado para ela. De repente, estávamos como os povos indígenas quando chegaram os colonizadores: todos sem proteção para as doenças, e morreram milhões.”

A frase foi um dos momentos mais provocantes da conferência de abertura do XIV Congresso Estadual da Magistratura, ministrada pelo sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Autor do livro O Futuro Começa Agora – Da Pandemia à Utopia, que serviu de inspiração para o conteúdo científico do Congresso, o escritor português falou durante duas horas sobre as mudanças do comportamento dos povos e das nações por conta da Covid-19, projetando o impacto do mal, causador de milhões de mortes em diferentes países, no futuro das nações. A conferência foi conduzida pelo vice-presidente Administrativo da AJURIS e coordenador-geral do Congresso, Cláudio Martinewski.

“Todos pensam que estamos quase livres dela, da pandemia, mas acho que estamos apenas passando a fase aguda. Em seguida virá uma fase endêmica, mais difícil de controlar”, disse o sociólogo, acrescentando que considera o surgimento do vírus SARS-CoV-2 (causador da doença) como “um sinal que a natureza nos dá da agressão que está sofrendo”.

Considerado um dos pensadores alinhados com o ideário da esquerda mais conhecidos do mundo, Boaventura também criticou o sistema capitalista por sua postura perante a crise sanitária. “Antes da pandemia, o argumento era que o mercado tinha que cuidar e regular tudo, mas agora que estamos na crise, todos foram pedir ajuda ao governo, não ao mercado”, afirmou. Lembrou que o próprio Estados Unidos, a nação mais rica da terra, sofre com a doença e que o governo precisou assumir o combate ao problema. “A ideia do bem público e do bem comum deve prevalecer, como, por exemplo, no controle dos mananciais de água, que é apontado como uma crise no futuro. São situações que nos fazem pensar na necessidade da presença do Estado”, completou.

Boaventura disse que, a partir da situação atual, enxerga três cenários para o futuro. O primeiro é o do negacionismo, como ocorre com lideranças políticas e governamentais no Brasil e nos Estados Unidos. É uma situação em que os países não consideram necessário se preparar para próximas pandemias, até por considerar que as mortes causadas por ela são “como uma forma desses países se verem livres da população pobre e envelhecida”. O segundo cenário chamou de “gato-pardo”: os governos e a população entendem que é preciso mudar estratégias nas áreas energéticas e no campo ambiental para preservar a sustentabilidade do planeta, mas ninguém se compromete a mudar o comportamento de consumo. Por fim, no terceiro cenário, que disse considerar como “o único razoável”: uma transição para um novo projeto civilizatório com um atitude ecológica que parta da concepção de que “a natureza não nos pertence, mas o contrário, nós, humanos, pertencemos à ela e se a agredimos, estamos nos agredindo”. Disse considerar que a maior parte do mundo está alinhada com o primeiro cenário, o que faz com que governos não deem a devida atenção à assistência social e a proteção da sociedade, necessárias nesse momento de crise sanitária.

Na parte final da conferência, Boaventura falou da atuação da Justiça. Disse que a democracia no Brasil vive “à beira do caos” e que o sistema judicial terá papel importante para o enfrentamento da situação. Por fim, pediu que juízas e juízes olhem com um olhar social mais apurado quando forem analisar as questões decorrentes da crise econômica e social que o país vive por conta dos problemas causados pelo coronavírus.