23 fev As férias dos juízes, por Pio Giovani Dresch
Zero Hora Online pede a opinião do leitor sobre os dois meses de férias dos juízes. Ganha um doce quem acertar as respostas que virão. Faço, então, outra pergunta: temos, todos nós, imprensa, magistrados, leitores, realmente interesse em discutir o tema de modo desapaixonado?
De certo modo, explica-se o tom emocional que envolve a questão: de um tempo para cá o Judiciário passou a figurar de modo negativo nas pautas jornalísticas, e o tom, principalmente a partir da discussão em torno das atribuições investigativas do CNJ, tem sido o de que existe um empenho corporativo em ocultar irregularidades.
A postura da Ajuris, que manifestei em meu discurso de posse, é a de que um Estado democrático pressupõe transparência – e, evidentemente, a investigação de irregularidades. Isso é condição para a sua legitimidade, independentemente do órgão ao qual se atribua o poder de investigar.
Voltemos, todavia, ao ponto: quando se cria na sociedade um ambiente de condenação prévia, uma pergunta como esta de Zero Hora, que em seu enunciado já pressupõe um privilégio não justificado, não pode esperar outra resposta que não a condenação unânime.
Devo, portanto, remar no contrafluxo.
Lembro que há inúmeras categorias profissionais beneficiadas por condições especiais quanto ao tempo de trabalho. Existem, por exemplo, previsões legais de aposentadoria especial (15, 20 ou 25 anos) para atividades penosas ou insalubres, como a de mineiro ou radiologista; há também categorias que se beneficiam de jornadas de trabalho reduzidas, como os médicos, bancários e jornalistas. Outros, como os professores, têm computado o tempo destinado ao estudo, à preparação da aula e à correção dos trabalhos.
Situação semelhante ocorre com as férias, e a justificativa para que os magistrados tenham direito a férias de 60 dias anuais está na inexistência de uma jornada de trabalho limitada a um horário. Tal circunstância, mais sentida em tempos atuais por causa do excesso de demandas, potencializa-se no fato de que os juízes trabalham em plantão. Em outras palavras, se houver uma prisão em flagrante de madrugada ou um habeas corpus no final de semana, o juiz deve estar pronto para apreciar a matéria.
É essa necessidade de prontidão permanente para matérias que dizem respeito à vida das pessoas que justifica o segundo período de férias. A circunstância de que muitos magistrados sentenciam nesse período apenas evidencia a sobrecarga de trabalho, mas não afasta a tese da necessidade de maior período de descanso.
Tem-se ouvido, é certo, que juízes vendem férias, mas a prática é admitida pelo CNJ somente para circunstâncias especialíssimas. Apenas para ilustrar, isso nunca aconteceu no Rio Grande do Sul.
Esta é a questão. Seria importante que a sociedade se posicionasse avaliando – se assim entendesse, rejeitando – os argumentos reais para a existência de dois períodos de férias, mas não é bom que isso ocorra num clima em que de antemão tudo o que diz respeito ao Judiciário seja visto como privilégio indevido.
Pio Giovani Dresch – presidente da AJURIS
Publicado no jornal Zero Hora (pg 13) e em ZH.com, no dia 22/2/12.