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A polícia prende e a Justiça solta – a lógica do sistema, por Luiz Augusto Domingues de Souza Leal

A polícia prende e a Justiça solta – a lógica do sistema, por Luiz Augusto Domingues de Souza Leal

* Luiz Augusto Domingues de Souza Leal – Juiz de Direito do RS.

 

Há muito tempo se ouve e lê que “a polícia prende e o juiz solta”. É necessário esclarecer o motivo pelo qual isso às vezes ocorre.

É importante que a população, em especial os leigos no assunto, tenham em mente que a regra geral é que qualquer indivíduo somente pode ser preso depois de ter sido condenado definitivamente pelo Poder Judiciário, o que somente pode ocorrer após ter sido acusado, processado e apresentado a sua respectiva defesa. Isto porque em um Estado Democrático de Direito não é admitido nenhum julgamento sumário, pois o nosso País, por ser civilizado, adotou como um dos seus princípios constitucionais o da presunção da não-culpabilidade, também conhecido como presunção da inocência.

No entanto, de maneira absolutamente excepcional, são admitidas as prisões cautelares ou processuais, isto é, antes de existir uma sentença condenatória irrecorrível proferida por um membro do Poder Judiciário. Dentre as espécies dessas prisões cautelares, as mais conhecidas popularmente são a prisão em flagrante e a prisão preventiva.

A prisão em flagrante, que ocorre quando o crime está ocorrendo ou logo depois de sua prática, embora comumente seja realizada pela polícia, pode ser feita por qualquer pessoa do povo. A prisão preventiva e as demais espécies de prisões cautelares somente podem ser decretadas por membros do Poder Judiciário, os únicos que também possuem a competência constitucional para também mandar soltar os indivíduos que não devem ficar presos, porque a prisão em flagrante foi ilegalmente realizada ou porque estão preenchidos os requisitos legais para responder ao processo em liberdade, que é a regra, repito. Esta é a lógica do sistema: somente deve responder preso ao processo criminal aquele indivíduo que efetivamente é perigoso para sociedade (nem se sabe ainda se ele é culpado, pois não foi julgado), o que, normalmente, acontece nos crimes praticados com violência ou grave ameaça às vítimas e nos delitos hediondos e a ele equiparados.

É relevante que o cidadão tenha plena convicção de que o objetivo de qualquer magistrado é fazer Justiça, seja decretando prisões cautelares, concedendo liberdades provisórias, condenando acusados culpados ou absolvendo os inocentes. Para isso, é indispensável que sejam trazidas ao Poder Judiciário, especialmente para decretar prisões e condenações, provas adequadas a respeito da existência e autoria dos crimes, atividade principal da polícia, a qual evidentemente não deve encerrar seus trabalhos com a prisão, que, na maioria das vezes, não coincide com a elucidação completa do crime.

Ainda, importante realçar que, se réus condenados não ficam presos ou permanecem pouco tempo no cárcere, não é por vontade do Poder Judiciário, mas pela existência de benefícios legais ou pela falta de vagas nos presídios, que são questões relativas à Lei de Execução Penal, e à estrutura carcerária, de responsabilidade, respectivamente, dos Poderes Legislativo e Executivo.

Por essas razões, qualquer culpa a respeito da impunidade não pode ser atribuída ao Poder Judiciário, pois o fato de algum indivíduo que efetivamente não é perigoso ou contra quem não foi produzida qualquer prova adequada a respeito da existência ou da autoria do crime responder solto ao processo é a lógica do sistema — simples assim.

 

Publicado na Coluna da AJURIS, em O Sul (20/6/2011).