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Mediação Judicial: duas décadas de incentivo ao diálogo no Judiciário gaúcho

Mediação Judicial: duas décadas de incentivo ao diálogo no Judiciário gaúcho

A busca por espaços de diálogo, onde as pessoas possam apresentar suas questões e conflitos e serem ouvidas por alguém com um olhar isento e holístico sobre a situação, é uma necessidade histórica da humanidade e, no atual contexto, se torna cada vez mais urgente. 

Com o objetivo de refletir sobre o papel da mediação na resolução de conflitos,  vamos resgatar a importância da aplicabilidade desse método no Judiciário gaúcho, seus primeiros passos no RS, além de explicar seu funcionamento e evidenciar o papel da metodologia durante o período de pandemia. Divididas em três capítulos, as reportagens integram a série de conteúdos especiais produzidos em comemoração aos 76 anos da AJURIS. 

Mediação: o diálogo como caminho para a resolução de conflitos

A mediação é um método de solução consensual dos conflitos, onde um mediador, de forma imparcial, atua como facilitador da comunicação entre as partes envolvidas. No Judiciário gaúcho, a metodologia se firmou como um importante meio autocompositivo de resolução de conflitos, seja durante um processo judicial ou de forma pré-processual, antecedendo o ajuizamento de uma ação.

Na mediação, a solução não é dada pelo juiz, possibilitando que os envolvidos possam resolver o próprio conflito a partir do restabelecimento da comunicação. Como explica a magistrada Josiane Caleffi Estivalet, coordenadora do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) de Santa Cruz do Sul, trata-se de um processo no qual as pessoas são instigadas a olharem pra si, olharem para o outro, e a partir da sua realidade e suas experiências , buscarem a melhor solução possível para o problema. 

Para a magistrada, que trabalha com mediação há mais de dez anos, mesmo que a solução do conflito não seja possível, o uso do método permite reacender o caminho do diálogo, possibilitando que as pessoas envolvidas voltem a conversar. “Isso é um dos grande êxitos da mediação: a retomada da comunicação entre os conflitantes”, destaca Josiane, afirmando que a mediação pode, inclusive, evitar conflitos no futuro.

Criar um ambiente favorável para o diálogo e permitir que haja o restabelecimento da comunicação é primordial para que os envolvidos consigam não apenas defender o seu ponto de vista, mas também enxergar os motivos do outro para entender o porquê daquela situação. 

Primeiras experiências no RS

Os primeiros movimentos no Rio Grande do Sul, visando a aplicação da mediação como meio para resolução de conflitos, surgiram em 1997. Inicialmente, a possibilidade de uso do método estava ligada a situações envolvendo a área de família, cuja experiência permitiu a criação do projeto Mediação Familiar. 

Desenvolvido no Foro Central da Comarca de Porto Alegre, o projeto-piloto surgiu a partir de iniciativa do Serviço Social Judiciário com o apoio da 5ª e 7ª Vara de Família e Sucessões da Capital. Com o êxito da iniciativa e a aprovação do Conselho da Magistratura (Comag), a aplicação do método ganhou espaço no Judiciário gaúcho. A partir de então, o serviço passou a ser oferecido aos magistrados da Comarca, que poderiam encaminhar famílias para participar das reuniões de ingresso no projeto de mediação. 

Nessa reunião, os casais e famílias, em situações como de partilha de bens ou discussão sobre cuidados com os filhos, que desejassem participar, aderiam ao atendimento, iniciando com as sessões de mediação. Ao final do processo, era encaminhado um ofício ao magistrado com o resultado decidido. 

A expansão do projeto para outras Comarcas do Estado aconteceu em 2001 com a realização de um curso básico de mediação voltado  à atuação em mediações familiares judiciais. A formação, criada pela assistente social Rosemari Seewald, falecida em 2010, permitiu capacitar voluntários para a aplicação do método, ampliando o seu uso em Varas de Família de outros municípios como São Leopoldo, Novo Hamburgo, Campo Bom e Capão da Canoa, que contaram com o apoio de juízes e juízas que acreditavam na mediação como uma via possível de resolver conflitos judicializados. 

NEM: Espaço de estudo, reflexão e pesquisa em mediação

Em consonância com o pioneirismo das primeiras iniciativas de mediação no Judiciário gaúcho, em 2002 nasceu o Núcleo de Estudos em Medição (NEM) da Escola da AJURIS. Com o objetivo de reunir profissionais interessados em debater e estudar o que, na época, se chamava de “métodos alternativos” para a resolução de conflitos, o Núcleo surgiu com o desafio de promover novas experiências na área e visibilizar o uso da mediação judicial em um cenário marcado pela desconfiança sobre a efetividade do método. 

O NEM foi idealizado pelo professor e procurador do Estado José Luís Bolzan de Morais, que, enquanto cursava o doutorado em Lyon (França), participou dos grupos de estudos de Jean-Pierre Bonafé-Schmitt, um dos principais teóricos europeu na área de mediação.

“No final da década de 1990, com meu retorno ao Rio Grande do Sul e o contato com alguns interessados sobre o tema por aqui, sugerimos a criação do núcleo à direção da Escola da AJURIS, que acolheu a ideia e permitiu que nela se instalasse um ambiente para estudar o assunto. Creio que a aproximação de atores da academia a atores do mundo prático, além daqueles que compõem ambos os espectros, fez o sucesso desta empreitada, bem como permitiu e permite o confronto de perspectivas diferenciadas sobre a mediação”, informou Bolzan em entrevista ao blog do NEM, em 2014.

Nesses 18 anos de atividades, o NEM se consolidou como um importante espaço de estudo, reflexão e pesquisa sobre o tema, contribuindo para o desenvolvimento e promoção da mediação no RS. Uma das principais responsáveis pela sua consolidação foi a desembargadora aposentada Genacéia da Silva Alberton, que ingressou no grupo ainda em 2004 e coordenou os estudos até 2019

“A desembargadora Genacéia é uma das precursoras do NEM. Sempre foi uma grande motivadora da mediação dentro do Tribunal de Justiça e é um dos ícones que nós temos na área e dentro da Escola da AJURIS”, frisou a juíza e atual coordenadora do Núcleo, Josiane Caleffi Estivalet, que divide o comando dos trabalhos com a magistrada Dulce Oppitz. 

Com encontros periódicos, o NEM promove desde o aprofundamento dos aspectos teóricos da mediação até o desenvolvimento prático, com ações e projetos de repercussão social, encontros de formação continuada e participação ativa em eventos na área de mediação. 

Em 2007, em um olhar voltado para a comunidade, criou o projeto Mediação Comunitária, desenvolvido no ano seguinte na Lomba do Pinheiro, bairro periférico de Porto Alegre. A iniciativa buscou desenvolver mediadores comunitários e a estrutura básica de atendimento social da região, incluindo várias ações de cidadania e inclusão social. O projeto foi realizado pela Escola da AJURIS em conjunto com a Defensoria Pública do Estado e o Tribunal de Justiça (TJRS), que pela primeira vez assumiu a posição de parceiro em um projeto de mediação. 

Em 2013, também colaborou com sugestões para a proposta de construção do novo Código de Convivência Urbana de Porto Alegre e, em 2014, encaminhou sugestões à comissão legislativa do novo Código de Processo Civil e da Lei de Mediação, ambos aprovados pelo Congresso Nacional em 2015.

No segundo capítulo deste especial, vamos conhecer a estrutura responsável por coordenar o trabalho de mediação judicial, a forma de acesso ao serviço, bem como resgatar o processo de consolidação do método no Poder Judiciário do Rio Grande do Sul.


Reportagem e edição dos vídeos: Vinicios Sparremberger