17 abr Prisão e covid-19, por Jayme Weingartner Neto
É opinião da RBS que houve brutal erro na decisão “do final do mês passado” de soltar de forma generalizada mais de 3 mil presos no Rio Grande do Sul em razão da covid-19. Questão vital de política criminal, toda opinião informada é bem-vinda. Mas a premissa é duplamente falsa, na forma e no conteúdo: não houve uma única decisão, menos ainda a soltura a granel de 3 mil presos. O Ministério Público oferece número que difere do Judiciário (em março, excluída a execução penal, foram soltos 3.088 presos, menos do que os 3.099 de março de 2019). A questão é: esse dado foi checado? Foram consideradas as solturas naturais (não covid) ou a redução de 35% nos flagrantes/preventivas?
O resto, a escala faz o fenômeno, vem em cascata, mas a opinião pública merece informação acurada, numa batalha já quase perdida. Difícil resistir à tentação de surfar no populismo do encarceramento, mais difícil ainda adotar medidas concretas para superar o “estado inconstitucional” do sistema prisional. Promessas se multiplicam em um Estado que regrediu para aglomerar presos em delegacias.
E a pandemia nos atravessa. A jurisprudência da crise, ao incidir sobre a crise anterior (superlotação, insalubridade), polariza ideologias. O Conselho Nacional de Justiça recomendou rever prisões provisórias de pessoas em grupo de risco. Portarias do Ministério da Justiça sugerem que se isolem presos doentes em celas individuais ou respeitar distância mínima de dois metros entre eles. Num sistema prisional que conta com 460,7 mil vagas para 752,2 mil presos, tal proposta “beira o escárnio” (31% das prisões nem contam com assistência médica), como registrou editorial da Folha de S. Paulo.
O Cremers, a pedido do Ministério Público, respaldou atos técnicos para identificar, monitorar e isolar casos no sistema prisional. Enquanto eu pensava por que a tuberculose atinge os presos de 30 a 35 vezes mais, a entidade esclareceu que não avaliou as condições do sistema prisional do RS.
A maioria das decisões foi individual, todas fundamentadas; equívocos, em algumas coletivas, foram corrigidos pelo Tribunal de Justiça. O quadro não é, fique tranquila a sociedade, de soltura generalizada de criminosos. Vale a sugestão, porém. Vamos debater, todos, com responsabilidade, alternativas para o sistema prisional.
Jayme Weingartnet Neto é desembargador do Tribunal de Justiça do RS (TJRS). Artigo publicado no jornal Zero Hora, na edição de 17 de abril de 2020.