18 fev “É preciso ampliar a nossa participação social”, afirma o presidente da AJURIS
Em entrevista ao Jornal do Comércio, publicada nesta terça-feira (18/2), o presidente da AJURIS, Orlando Faccini Neto, destacou os desafios de assumir a liderança da magistratura gaúcha e defendeu a importância de ampliar da participação social da entidade. Confira a entrevista completa abaixo:
Presidente da Ajuris quer ampliar participação social da entidade
O juiz Orlando Faccini Neto, 43 anos, assumiu a presidência da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) no dia 3 de fevereiro. Faccini era candidato único da eleição que aconteceu em dezembro do ano passado. Em entrevista ao Jornal da Lei, o novo presidente fala sobre os desafios da magistratura gaúcha e sobre planos para o biênio 2020-2021.
Jornal da Lei – O que significa assumir a presidência de uma entidade como a Ajuris em um momento político turbulento como o atual?
Orlando Faccini Neto – É honroso, porque representa um coletivo expressivo de magistrados. E, ao mesmo tempo, é desafiador, porque há uma tensão política no País que envolve a magistratura e todo o serviço público.
JL – Quais são os principais desafios?
Faccini – É necessário resgatar a autoestima da magistratura gaúcha, que, em comparação com as demais do País, tem encontrado grandes dificuldades. Como a questão dos funcionários, os cartórios que andam bastante desemparelhados e os impasses remuneratórios, que, à medida que outros estados pagam melhor seus juízes, não podem ser olvidados. Sobretudo no que se refere à diferença de subsídio entre as entrâncias da Justiça. No Rio Grande do Sul, essa diferença é de quase 10%, ao passo que, em praticamente todos os outros estados, é de 5%. Outra dificuldade está em algumas medidas legislativas que, nos últimos anos, têm constrangido a atuação. Em particular, a lei do abuso da autoridade.
JL – Pesquisa de 2019 da Associação dos Magistrados Brasileiros indicou o perfil dos juízes do Brasil e algumas das reclamações mais comuns. Muitos identificaram, além do pagamento, como o senhor comentou, o excesso de horas de trabalho. Como avalia essa situação da quantidade de trabalho?
Faccini – Os juízes não têm horário de trabalho. Eles, muitas vezes, exercem plantões nos fins de semana, elaboram sentenças ou despachos em horário que não o do expediente e não são remunerados por isso. Por outro lado, também é necessário compreender que o subsídio do magistrado é apresentado para a população no valor bruto, mas que, sob esse valor, incidem descontos expressivos. Eles lidam com temas difíceis, como separação de casais, guarda de filhos e jurisdição criminal, que, muitas vezes, envolvem pessoas de alta periculosidade. Isso implica uma carga emocional de desgaste, e, sem uma remuneração adequada, a atividade judiciária deixa de ser atrativa. As pessoas acabam buscando outras formas de desenvolverem a profissão, à margem da magistratura, e isso é ruim. Devemos buscar uma magistratura com as pessoas mais qualificadas, e isso é estimulado por uma profissão atrativa.
JL – O senhor afirmou, no discurso de posse, que gostaria de inserir a Ajuris nas discussões sociais. Acredita que a entidade esteve afastada desses debates?
Faccini – Não creio que estivesse afastada, mas, como todo processo sucessório implica em evoluir, é necessário aumentar a intensidade com a qual participamos dessas discussões. Devemos buscar novos espaços e aprofundar as relações que foram estabelecidas nas gestões anteriores, em pautas que interessam não só à magistratura, mas à sociedade em geral. Pautas nas quais a presença dos juízes é importante, porque eles acabam adquirindo uma carga humanística em virtude dos processos que julgam. Ainda que não sejam especialistas, muitas vezes, desenvolvem algum conhecimento de psicologia e sociologia, por exemplo, e isso faz com que sejam agentes qualificados para discutir vários temas. No País, a magistratura tem ficado à margem de certas discussões e deve participar mais delas.
JL – Além dessa aproximação, quais são os outros planos da sua gestão?
Faccini – O plano também é contribuir com o debate público. Temos vivido, no Brasil, uma polarização muito grande, em que as pessoas não conseguem dialogar, e o nosso objetivo é, justamente, dialogar com variados setores. Queremos ser ouvidos, apresentar nosso ponto de vida, algumas vezes nos permitir ser criticados, porque isso faz parte do jogo, mas também criticar determinadas iniciativas. É importante apontar caminhos e também receber apontamentos dos demais entes e das demais entidades que trabalham no serviço público. Acho que a Ajuris deve ter uma dimensão pública, e não restrita à tutela e à proteção dos seus próprios interesses. É preciso ampliar a nossa participação social.
JL – Das atuais pautas da magistratura, qual o senhor considera mais importante?
Faccini – Ultimamente, as pautas da magistratura têm sido reativas. Estamos nos defendendo de certas medidas que criam prejuízo mais do que sendo proponentes de determinadas situações. É como um jogo de xadrez: não é a magistratura que tem movido as peças. As peças têm sido movidas por outras instituições. É necessário, agora, que algumas peças sejam movidas pelos juízes, demonstrando a dificuldade de trabalho e as poucas condições de segurança. A segurança pessoal dos magistrados é um tema que nos preocupa. É triste ver que os juízes querem realizar um bom trabalho e proferir uma sentença em um prazo razoável, mas a falta de condições estruturais impede que isso aconteça. Há uma série de coisas que precisam ser equacionadas para que o magistrado exerça a sua função da melhor forma possível.
JL – Qual a sua principal bandeira no Judiciário?
Faccini – Lembro de quando vim para o Rio Grande do Sul, em 2001. A magistratura gaúcha era conhecida em outros estados como uma magistratura vibrante, com amplas condições de trabalho, carreiras que progrediam em prazos razoáveis e comarcas bem estruturadas. De 2001 a 2020, notei um decréscimo. O Interior perdeu muitos atrativos, e Porto Alegre já teve momentos melhores. Por consequência disso, é possível dizer que houve uma redução da autoestima e do autoprestígio que os juízes gaúchos se concedem. Isso precisa mudar, é preciso resgatar o brio e o brilho de ser juiz no Rio Grande do Sul. O sucesso não pode ser medido apenas em números. Os números são bons, a magistratura do Estado possui um desempenho satisfatório, um dos melhores, se não o melhor do País. Mas isso deve ser acompanhado de um prazer pelo exercício da atividade.
JL – O que deve ser feito para resgatar essa autoestima?
Faccini – Precisamos ser mais bem compreendidos pelas nossas instâncias diretivas, pelo Tribunal de Justiça – tenho esperança de que isso acontecerá na gestão do presidente Voltaire de Lima Moraes – e pela sociedade, que, muitas vezes, emite juízos equivocados a respeito do trabalho dos juízes. Por isso, é necessário que os juízes se apresentem, mostrem seu trabalho e revelem a importância da atividade. Além disso, os tribunais superiores, muitas vezes, estão distanciados das realidades dos juízes das comarcas. Em particular, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emite diretrizes que não são adequadas a todo o País. É necessário, também, que rediscutamos o papel do CNJ. A magistratura acabou padecendo de uma infinidade de contingências administrativas, e isso tem tirado tempo dos magistrados para o desenvolvimento da atividade judicial. Precisamos cuidar para que a magistratura não se burocratize. Os juízes não são burocratas, eles devem decidir o processo com tempo. Um bom juiz não é necessariamente um bom operador de sistemas tecnológicos. A eficiência é medida pela maneira como ele decide com consistência.
JL – Pesquisa do Datafolha de julho de 2019 apontou um alto índice de falta de confiança no Poder Judiciário, de 26%. Por que o senhor acha que isso está acontecendo?
Faccini – No Brasil, é natural que haja desconfiança de tudo que é público. Aquilo que se atribui à magistratura não é diferente do que se revela para os demais poderes, que também sofrem dessa má avaliação. Mas, além disso, acredito que essa exposição demasiada do Supremo Tribunal Federal (STF), a oscilação nas decisões e a quase inexistência de uma maioria consolidada sugerem que as pessoas julguem o todo (Poder Judiciário) através de uma parte (STF). Alguns episódios envolvendo discussões entre ministros ou desautorização de decisões dos ministros criam um certo ceticismo na população que se espraia para o Poder Judiciário. Se essa pesquisa fosse feita de maneira mais localizada, perguntando a percepção das pessoas sobre o Poder Judiciário que atua em cada cidade, seria diferente.
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