23 mar Na mídia: Em entrevista, Orlando Faccini esclarece conceitos relacionados a questões criminais
Em entrevista publicada nesta sexta-feira (23/3), no Jornal Ibiá, de Montenegro, o vice-presidente Administrativo da AJURIS, Orlando Faccini Neto, esclareceu diversos conceitos relacionados a questão criminal, como o chamado “prende e solta”, o significado e aplicação do termo garantia da ordem pública, assim como as consequências da superlotação dos presídios e o uso de tornozeleiras eletrônicas.
“O chamado ‘prende e solta’ é, simplesmente, um sofisma, uma mentira. Porque, na realidade, o sistema processual brasileiro determina que somente os juízes decretem as prisões”, esclareceu Faccini, durante entrevista ao repórter Rodrigo Borba.
O magistrado também explicou o conceito de garantir da ordem pública: “há modos e modos de se tratar a garantia da ordem pública que, no Brasil, porém, a legislação não abrigou. Ela deixa a garantia da ordem pública como um critério aberto, cujo preenchimento vai depender da particularidade do caso e da interpretação do magistrado”.
Confira a entrevista na íntegra:
Entrevista: Vice-presidente da Associação dos Juízes do RS (Ajuris), Orlando Faccini Neto
Jornal Ibiá – O fato de, muitas vezes, os criminosos não ficarem presos é alvo de críticas. Por que situações como estas ocorrem?
Orlando Faccini Neto – O chamado “prende e solta” é, simplesmente, um sofisma, uma mentira. Porque, na realidade, o sistema processual brasileiro determina que somente os juízes decretem as prisões. Ou seja, quando alguém é detido em flagrante delito, a manutenção da prisão desse sujeito é feita pelo Poder Judiciário, que tem a competência de prender. Portanto, é falsa a ideia de que Polícia prende e o juiz solta, porque apenas os juízes prendem. Desde 2008, após uma prisão em flagrante, são os magistrados que avaliam se o flagrante será convertido para a prisão preventiva ou se é caso de concessão de liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares. Portanto, essa frase feita, muitas vezes utilizada pela população, está simplesmente errada.
Jornal Ibiá – Quais pré-requisitos precisam ser preenchidos para uma prisão ser decretada?
Orlando Faccini Neto – Fundamentalmente, a discussão se situa na chamada garantia da ordem pública. E aí, sim, é verdade que se trata de conceito aberto e que, portanto, é suscetível a variadas interpretações, que são legítimas. Há juízes que compreendem a garantia da ordem pública em determinado sentido, outros que a entendem de outra maneira e sempre há possibilidade de que o sistema recursal corrija eventuais interpretações tidas como diversas. Seja quando o magistrado determina a soltura, seja quando prende. Porque há também casos em que a prisão é determinada pelo juiz de 1º grau e, por via de habeas corpus, se concede a liberdade. É verdade, sim, que em outros sistemas, outros países do mundo, essa garantia da ordem pública é mais bem definida. Ou seja, se estabelecem critérios como, por exemplo, ter o sujeito já sido preso anteriormente por crimes graves, ter praticado um crime de intensa repercussão social, ter revelado uma personalidade voltada à prática de crimes. Enfim, há modos e modos de se tratar a garantia da ordem pública que, no Brasil, porém, a legislação não abrigou. Ela deixa a garantia da ordem pública como um critério aberto, cujo preenchimento vai depender da particularidade do caso e da interpretação do magistrado.
Jornal Ibiá – A legislação deveria ser mais severa no sentido de garantir a prisão em crimes considerados mais graves ou reiterados? Aqui em Montenegro, por exemplo, há o caso de um indivíduo preso seis vezes por furto.
Orlando Faccini Neto – Alguns países do mundo estabelecem que a reiteração criminosa é, sim, um fundamento para a segregação cautelar. Agora, isso muitas vezes depende da gravidade do crime. Quando se trata de furtos, até mesmo de alguns casos de receptação ou porte de arma, dificilmente, encontraremos no sistema comparado a determinação de que o sujeito responda ao processo preso, uma vez que custo da segregação, seja o custo econômico para o Estado, seja da própria perversidade do sistema carcerário, se apresenta maior, em determinadas circunstâncias, do que a imposição de medidas cautelares alternativas. Quanto a crimes graves, a situação, efetivamente, é diferente, mas repito, a pormenorização, a descrição detalhada de critérios que, portanto, balizam a atuação dos juízes.
Jornal Ibiá – Mesmo em casos como esse? Depois de esse sujeito ter ficado preso, o número de furtos no município diminui, pois ele foi autor de muitos crimes.
Orlando Faccini Neto – Esses casos que aludem a prisão cautelar precisam ser bem explicados, porque não significa que o sujeito não virá a ser preso quando condenado. A questão está em manter ou não o indivíduo preso durante o processo. E aí eu insisto na abertura interpretativa que a garantia da ordem pública permite, na medida que, certamente, alguns juízes entenderão que o terceiro ou quarto furto já pode determinar a segregação cautelar e outros imaginarão que isso requer a prática mais reiterada do mesmo fato. Nenhum dos juízes, e esse é o ponto, segundo o conceito de garantia da ordem pública, estará errado, na medida em que se trata de um critério aberto e, justamente por isso, suscetível a várias interpretações.
Jornal Ibiá – A superlotação nos presídios tem alguma influência para que alguns autores de delitos acabem soltos?
Orlando Faccini Neto – É possível que algum magistrado, ao avaliar a possibilidade de segregação cautelar, tenha a pré-compreensão de que a inserção de indivíduos menos perigosos no sistema pode contribuir para a criação de um criminoso mais perigoso quando da liberação futura. Sem contar que há um elemento, digamos assim, de humanidade segundo o qual, quando o sistema carcerário é degradante, evidentemente, que se busca evitar a colocação de pessoas em verdadeiras masmorras, exceto quando isso se apresentar realmente necessário, como são os casos de criminosos sexuais, de homicídios, de violação a interesses coletivos, como por exemplo, em corrupção de grandes monta.
Jornal Ibiá – “Masmorras” como o Presídio Central de Porto Alegre?
Orlando Faccini Neto – Aquilo que nós verificamos, a partir das notícias veiculadas pela mídia, permite dizer que, sem dúvida alguma, o Presídio Central se enquadra num conceito medieval de prisão. Sem que o Estado resolva essa questão, certamente, teremos uma piora nas condições daqueles indivíduos que ingressam no sistema, na medida em que não há como ressocializar seres humanos tratando-os como animais.
Jornal Ibiá – Qual a sua avaliação sobre o uso de tornozeleiras eletrônicas?
Orlando Faccini Neto – Tenho um certo ceticismo com relação ao uso da tornozeleira eletrônica no modo como isso tem ocorrido no Brasil. Há falta de equipamento, pouco controle a partir do momento em que o sujeito recebe a tornozeleira eletrônica e notícias de que o indivíduo, mesmo com a tornozeleira, continua a praticar crimes. De maneira que, ou revemos esse mecanismo tecnológico que noutros lugares do mundo funciona com alguma regularidade, ou estaremos meramente a criar um artifício de retórica para compensar a falta de atuação estatal naquilo que lhe compete. Numa ponta, está a melhoria do sistema carcerário e, noutra, o desenvolvimento de formas investigação que se direcionem aos criminosos que praticam fatos mais gravosos e aqueles que ostentam posições mais relevantes nas organizações criminosas relacionadas com o narcotráfico.
Departamento de Comunicação
Imprensa AJURIS
51 3284.9107
imprensa@ajuris.org.br