26 ago Morte de jovens deve ser enfrentada com políticas públicas efetivas, afirma diretor da AJURIS
Juiz da Infância e Juventude Charles Bittencourt participa de lançamento de frente intersetorial para trabalhar o tema.
O aumento significativo da criminalidade faz vítimas diárias em todo o Estado, em especial na Capital e Região Metropolitana. Para debater a questão e buscar contribuir com estratégias e alternativas para solucionar este problema, a AJURIS aderiu, nesta quarta-feira (24/8), à Frente de Enfrentamento à Mortalidade Juvenil em Porto Alegre.
Representando a Associação, o diretor do Departamento das Coordenadorias e juiz do 3º Juizado da Infância e da Juventude, Charles Maciel Bittencourt, participou da reunião de lançamento do coletivo, que integra representações de diversos segmentos da rede municipal e estadual de atendimento psicossocial e socioeducação, movimentos sociais e organizações da sociedade civil.
Foi unânime entre os presentes o entendimento de que há falhas estruturais graves em todos os aspectos no que diz respeito à proteção de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social. Representantes relataram, no âmbito de suas atividades, ausência de investimento, déficit de vagas, de estrutura física, de pessoal qualificado. A falta de oportunidades de resgate e inclusão social aliada à proximidade com o crime favorece o envolvimento de jovens, cada vez mais precocemente, com o universo do tráfico de drogas, causa direta ou indireta da maior parte das mortes.
Para Charles Maciel Bittencourt, a chave para entender e buscar enfrentar o problema deve passar, necessariamente, pela efetividade nas políticas públicas. “As políticas públicas são a alma do negócio. Se nós não tivermos políticas públicas bem implementadas, nós não vamos chegar em lugar nenhum.”, referiu. No âmbito de sua atuação jurisdicional, o magistrado apontou que testemunha, no contato com os jovens, que há entre a maioria um descaso, um desapego em relação a conceitos caros, como vida e liberdade. Há a consciência (e quase uma conformidade) em relação à curta duração da vida, o que move o imediatismo. “O adolescente não enxerga uma perspectiva de vida. Não prioriza a vida ou a liberdade mas tem muito forte a referência familiar.” Nesta medida, aponta Charles, é fundamental envolver as famílias no processo de resgate de perspectivas, de vislumbrar alternativas ao crime.
Na opinião do juiz, há ainda um desafio importante que demanda a sensibilização da opinião pública, que muitas vezes não se solidariza com o contexto de criminalidade que vitima um outro segmento social. “Há uma parcela da sociedade que não está preocupada com isso, e isso é um problema muito grave. E é uma parcela que indiretamente também está sendo atingida e não se deu conta disso”, referindo o aumento roubos e latrocínios, que “apesar de não ter vinculação direta com o tráfico, são consequência do tráfico”, explicou. Charles ressaltou que os desafios do grupo serão diversos. “O momento é bem complexo e os extremismos podem se fazer presentes, dentre os quais a redução da maioridade penal”, à qual o magistrado e a AJURIS são veementemente contrários, mas que vem sendo defendida por parcela significativa da opinião pública diante do contexto de agudização da violência e da criminalidade. Diante deste cenário, a tarefa do grupo inclui também multiplicar no âmbito da rede as boas práticas, os bons exemplos que podem servir de combustível para o desenvolvimento de ações efetivas.
O magistrado ainda acrescentou que, nesse embate, deve-se ampliar a compreensão sobre a questão da segurança pública. “Nós nos deparamos com uma situação muito complexa na forma como se vê a segurança no âmbito do Estado. É muito difícil achar que a legislação vai resolver a situação, ou somente a polícia. Se investirmos somente em políticas de reclusão e repressão, nós não vamos resolver, a segurança pública não se faz assim. Se o Executivo não tiver uma política pública bem voltada efetivamente em compreender o que significa a segurança, que não é apenas prender e tirar de circulação, que tem muitas outras coisas antes disso que são fundamentais, nós só vamos agravar o problema.”
A Frente de Enfrentamento à Mortalidade Juvenil em Porto Alegre pretende promover novos encontros, eventos e atividades externas, inclusive com a participação de jovens. A ideia da iniciativa é, a partir de uma dinâmica de grupos de trabalho, integrar as diferentes áreas de conhecimento e atuação e, com base nas diversas perspectivas, criar uma força que, por meio de ações concretas, buscará o enfrentamento coletivo à questão.
Dados*:
46% dos óbitos de homens entre 15 e 29 anos ocorrem por homicídios e, se observados os homicídios somente entre 15 e 19 anos, o indicador apontaria para 53% de mortes. As diferenças aumentam no período da juventude, no qual aos 21 anos de idade existe o “pico” das chances de sofrer homicídio, ressaltando que “pretos e pardos possuem 147% mais chances de ser vitimizados por homicídios em relação a sujeitos brancos, amarelos e indígenas” (CERQUEIRA etal, 2016, p.22).
Em 2014, em Porto Alegre, a maior parte das pessoas que foram vítimas da violência foram jovens entre 10 e 29 anos, ou seja, 56,27% das pessoas assassinadas naquele ano.
*Informações do Grupo de Estudos em Juventude e Políticas Públicas da PUCRS
Juliana Campani
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