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Desafios na Infância e Juventude pautam o Especial XI Congresso Estadual de Magistrados

Desafios na Infância e Juventude pautam o Especial XI Congresso Estadual de Magistrados

Entrevistado do programa é o juiz do 1º Juizado Regional da Infância
e Juventude de Porto Alegre, Carlos Francisco Gross.

O juiz de Direito do 1º Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre, Carlos Francisco Gross, é o destaque desta semana do Especial XI Congresso Estadual de Magistrados. Em entrevista ao Departamento de Comunicação da AJURIS e transmitida pela Radioweb, o magistrado aborda os desafios da Magistratura na área da Infância e Juventude. A primeira edição internacional do Congresso será realizada na próxima semana, de 24 a 26 de setembro, em Montevideo, capital do Uruguay.

O magistrado destaca a necessidade de investimento em um sistema diferente nas hipóteses de afastamento de crianças e adolescentes do lar: o acolhimento familiar. “O acolhimento familiar, às vezes, dá a primeira noção de família para uma criança ou adolescente que nunca teve esse vínculo”, sublinha. Gross cita como exemplo a cidade de Cascavel, no interior do Paraná, na qual 100% dos acolhimentos são realizados por famílias.

Durante a entrevista concedida ao Departamento de Comunicação da AJURIS, o juiz de Direito também explica a posição contrária à redução da idade penal da maioria dos juízes da Infância e Juventude do Rio Grande do Sul. Também rebate a ideia de que há impunidade de menores envolvidos em conflito com a lei. Ressalta, ainda, que o processo desses casos é bastante célere, levando 45 dias.

Ouça a íntegra da entrevista em

Confira a programação completa e outras informações AQUI.

Na quarta-feira (23/9), às 14h, a jornalista-chefe do Departamento de Comunicação, Grasiela Duarte, entrevista o vice-presidente Administrativo da AJURIS e coordenador da Comissão Científica do Congresso, Gilberto Schäfer, e a vice-presidente Cultural e coordenadora da Comissão Organizadora do Congresso, Jane Maria Köhler Vidal, no Especial XI Congresso Estadual de Magistrados. O programa será transmitido na véspera da abertura do evento.

Quais são os principais desafios da Magistratura estadual no que compete a Infância e Juventude? 

Os principais desafios, atualmente, são o problema dos abrigamentos e o trato que isso tem em todo o Estado. Vemos um número muito grande de crianças e adolescentes abrigados pelas mais diversas razões e talvez o nosso grande desafio, agora, seja optar por um sistema diferente nas hipóteses de afastamento dessas crianças e adolescentes do seu ambiente familiar quando estão em situação de risco e, principalmente, esse inclusive será o tema do nosso próximo CAM (Curso de Atualização para Magistrados) na Infância e Juventude, investir no acolhimento familiar. Essa talvez seja a grande alternativa hoje que se coloca para o nosso sistema. 

Que mudança no sistema seria a ideal para atender a esses menores? 

A instituição de um programa sério, de âmbito municipal, de acolhimento familiar. Isso dependeria de uma intervenção judicial a respeito disso e também de uma vontade política de implantar um sistema diferenciado, permitindo que essas crianças e adolescentes continuem tendo garantido o seu direito constitucional a ter a convivência familiar.

Como funciona o acolhimento familiar? Qual o objetivo desse sistema? 

Talvez um dos programas de maior sucesso a respeito de acolhimento familiar é o executado na cidade de Cascavel (no Paraná) e nós estamos convidando justo o juiz que vem de lá para falar dessa realidade. Ela chegou a um ponto em que já não há nenhum acolhimento institucional no município, 100% das pessoas são acolhidas em famílias. Isso não quer dizer antecipar a adoções, ou seja, colocar uma criança que ainda não foi destituída do poder familiar naquela família que tem interesse em adotá-la no futuro. No meu entender, isso não pode ser feito e esse é um entendimento mais ou menos pacífico no Rio Grande do Sul de que, com a reversão da medida, porque em termo do Estatuto da Criança e do Adolescente, o que deve ser priorizado é o retorno à família de origem diante de uma situação de risco, ou seja, você afasta essa situação e faz com que essa criança retorne aquele seu ambiente familiar de origem. O acolhimento familiar não se confunde com isso. Você tem famílias, e geralmente são famílias que já têm filhos, que estão dispostas a realizar inclusive um serviço público, dependo do município há até convênios que repassam uma determinada quantia para essa família assumir uma, duas ou três crianças no seu ambiente, no seu lar.

E isso é por um tempo determinado? 

É por um tempo determinado. Então, deve haver consciência dessa família acolhedora, a criança é conscientizada dessa realidade, que isso é uma situação provisória. Mas ao mesmo tempo é garantido a ela um direito fundamental, que é o direito a convivência familiar.

E na sua avaliação quais são as vantagens desse sistema, em relação ao abrigamento tradicional? 

Embora no abrigamento tradicional até exista uma modalidade que se procura recriar isso, onde há um pai e uma mãe social, a grande vantagem desse sistema é realmente garantir um ambiente de família, não um ambiente de instituição, em que todos são tratados de uma forma mais ou menos padronizada, onde o carinho inclusive é dado de uma forma quase que padronizada. O acolhimento familiar resgata essa ideia de família e, às vezes, dá a primeira noção de família para uma criança ou adolescente que nunca teve esse vínculo.

Atualmente, como é a realidade da maioria dos abrigos que recebem esses menores?

Ao contrário do que constam nas notícias, a situação dos abrigos é relativamente boa. Não dá para se comparar de forma alguma com o sistema penitenciário, com a falência do sistema. Não, estamos longe disso. Existem abrigos, especialmente os conveniados, que ainda tem uma situação bastante boa no trato das crianças, adolescentes que ali se encontram. Existem abrigos, claro, e esses são os que acabam sendo enfocados, que são aqueles abrigos de passagem destinados principalmente aqueles que saem em uma situação de ato infracional e já não podem retornar para a sua comunidade de origem. Aí você enfrenta sérios problemas de indisciplina, problemas sérios de evasão dessas instituições e fica muito difícil, realmente, realizar um trabalho contínuo pelas equipes encarregadas desses locais.

Outro desafio que nós hoje enfrentamos, e faz parte dessa própria política de judicialização dos conflitos, é a situação que estamos encontrando na Vara que atuo mais diretamente, o 1º Juizado da Infância e Juventude que trata de todas as ações que tenha como réu o Estado ou o município. Estamos no enfrentamento de uma situação muito crítica onde a obtenção do atendimento médico, do medicamento, o alcance da creche, só é conseguido através de ação judicial. A gente começa a se questionar, e esse vai ser um dos temas do Congresso, até que ponto nós podemos ir nesse sentido, considerando que já estamos começando inclusive a aplicar, ao contrário de uma Justiça comutativa, aquele “dar a cada um o que é seu” que compete ao Judiciário, estamos começando a trabalhar com uma verdadeira Justiça distributiva, por exemplo, a respeito de creche nós não alcançamos o valor integral para todas as crianças, porque já não há como alcançar esse valor, algumas acabariam ficando de fora. Esvaziaríamos os cofres do município e impediria assim até que se criassem vagas dentro da própria política municipal. Então, só deferimos um auxílio, em uma perspectiva de se distribuir esse recurso para um número maior possível de crianças.

Essa questão é o Poder Judiciário tendo que intervir em um outro Poder pela ineficiência do Executivo. O Judiciário tem que, de certa forma, assumir o papel de outro Poder? 

Essa é uma preocupação que nos rodeia, quer dizer, para efetivar direitos, garantir direitos fundamentais, você acaba abarcando aquilo que seria da órbita do Executivo, que são decisões políticas que devem ser tomadas a respeito. O problema é que todas as questões são absolutamente prioritárias. Então, por vezes, o juiz se vê diante de uma situação em que é obrigado a tomar uma atitude em um determinado sentido, mesmo que esteja convencido de que essa não é a melhor solução para o sistema.

Quais são os fatores que levam a essa situação? 

Em primeiro lugar, a população se acostumou muito a judicializar todo o tipo de conflito. Então, ao invés de buscar uma via administrativa adequada para aquele seu pleito já recorre imediatamente ao Judiciário. E o Judiciário, por vezes inclusive, é muito tolerante com isso. Acho que nós chegamos a um momento que é dado um pouco “um fechamento de portas”. É necessário examinar com bastante cautela esses pedidos, inclusive para não ocorrerem abusos nesses termos. Nós acabamos vendo que quem mais acessa o Judiciário, pelo menos na unidade que eu respondo, para buscar medicamentos, creche, atendimento em saúde gratuito é uma classe média ou até média alta. Já não atendemos aos mais necessitados, esses acabam, por vezes, não tendo acesso sequer ao Judiciário. É necessário ter algum tipo de prudência no deferir esses pedidos para que não se acabe transformando isso até em uma forma de saque do Estado.

Que ações o senhor avalia como necessárias para aprimorar o sistema de atendimento de menores de idade em conflito com a lei? Muito se fala em uma revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente. 

Acho que uma revisão nos prazos máximos de aplicação de medida, para que alguns casos pontuais, como do latrocínio, pudessem ter uma pena, uma medida socioeducativa aplicada além dos três anos. Mas isso teria que ser não como o projeto de Senado preconiza hoje, uma faixa única de aumento. Teria a ver inclusive com a idade do infrator. Porque as pessoas não se dão conta, mas três anos de cumprimento de medida socioeducativa representa 50% da adolescência de alguém. Quer dizer, se é dos 12 ao 18 que ela responderá por medida socioeducativa, três anos é a metade da sua adolescência. Estamos falando da metade da vida que esse adolescente vai se lembrar. Quem trabalha em execução de medidas vê adolescentes cumprindo medidas após dois anos absolutamente destruídos pelo sistema, porque toda a vida que ele consegue se lembrar é uma vida de encarceramento. Então, muita cautela também ao se falar em ampliar em demasia esse tempo de cumprimento das medidas socioeducativas. Às vezes, só está destruindo o indivíduo em uma pretensão de vingança social. Esse não pode ser o objetivo da sociedade. E há, de fato, recuperação na Infância e Juventude. Eu acredito. Há recuperação. Temos índices muito menores de reincidência, embora esses cálculos não sejam científicos, são índices bem menores de reincidência do que aqueles que saem dos estabelecimentos prisionais.

Uma questão que não temos como deixar de falar aqui, doutor. Existe um movimento bastante grande em Brasília pela redução da idade penal e é sabido que a maioria dos juízes da Infância e Juventude do Rio Grande do Sul é contrária à medida. Porque não reduzir idade penal? 

O grande argumento que é colocado a favor da redução da maioridade penal é a questão da impunidade, de modo geral, a gente ouve as pessoas que defendem essa redução de que há uma grande impunidade no sistema. Eu diria, como juiz da Infância, que acontece exatamente o contrário. Estou agora há um ano na Infância, mas estive por quase seis anos em uma Vara Criminal e nós notamos uma realidade que se repete dia a dia, inclusive pela própria falência do sistema prisional. Uma situação típica: um adolescente de 17 anos e um pós-adolescente de 18 anos cometem um delito de roubo a veículo, então um roubo duplamente qualificado, primeiro fato dos dois. Em geral, pela postura dos juízes de Porto Alegre, esse adolescente será mantido internado e possivelmente receberá uma medida de internação sem possibilidade de atividade externa, que vai ter o prazo, normalmente, de cumprimento de um ano em um processo que dura 45 dias, um processo bastante célere. No processo criminal, essa pessoa eventualmente vai responder o processo presa, mas na sentença receberá o regime semiaberto e irá para uma lista de espera em Porto Alegre. Quer dizer, isso é o Estado super falido. Uma lista de espera para prender. Então, o trato do adolescente nessa hipótese, embora isso nem seja o objetivo do Estatuto, acaba sendo mais rigoroso do que aquele que é dado ao adulto, ao que já alcançou a maioridade penal. Inclusive quanto a tempo de cumprimento de medida, porque, se esse crime não é hediondo, condenado um delito de roubo duplamente qualificado, a pessoa cumpriria, possivelmente, um ano de pena em regime inicial fechado se já fosse reincidente. Um ano de pena. Isso é o que se aplica na Infância e Juventude. Então, às vezes ali, o sistema é até mais rigoroso do que o adotado em relação a maior.

 

 

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