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Aumentar a efetividade das decisões judiciais é o principal desafio do Judiciário, ressalta Ingo Sarlet

Aumentar a efetividade das decisões judiciais é o principal desafio do Judiciário, ressalta Ingo Sarlet

O juiz de Direito faz uma reflexão sobre o papel do Judiciário no Especial
XI Congresso Estadual de Magistrados, transmitido pela Radioweb AJURIS.

O juiz de Direito Ingo Wolfgang Sarlet é o destaque desta semana do Especial XI Congresso Estadual de Magistrados. Em entrevista ao Departamento de Comunicação da AJURIS, com transmissão pela Radioweb, o magistrado ressalta os principais desafios da Magistratura estadual, entre eles, o de atingir uma maior efetividade das decisões judiciais.

Ouça o programa em

 

O entrevistado frisa que, muitas vezes, as decisões dos magistrados, mesmo quando tomadas em última instância, têm o cumprimento protelado por uma gama praticamente interminável de contestações. E essa realidade é mais constatada no que se refere ao Poder Público, o maior cliente do Judiciário, que por falta de recursos financeiros ou ineficiência deixa de cumprir a determinação da Justiça.

A análise do magistrado é de que os principais afetados por esse cenário são os cidadãos, em especial os mais vulneráveis. “São milhões de pessoas aguardando anos a fio, às vezes décadas, para conseguir ter realmente o direito efetivado, apesar de uma decisão judicial que o assegurou”, salienta.

O programa tem o objetivo de antecipar assuntos que estarão em pauta no Congresso promovido pela Associação e, com isso, estimular a apresentação de teses pelos magistrados.

A primeira edição internacional do Congresso será realizada de 24 e 26 de setembro, em Montevideo, capital do Uruguay. Inscreva teses até 10 de setembro. 

Programação completa e outras informações AQUI.  

O tema do Congresso Estadual de Magistrados neste ano será Efetivar Direitos: o desafio da Magistratura. Na sua opinião, quais são os principais desafios da Magistratura Estadual atualmente? 

Bom, são vários em várias frentes. Efetivar direitos, evidentemente, é a missão principal do Poder Judiciário, especialmente após Constituição de 1988, que incorporou essa gramática de direitos fundamentais e empoderou o Poder Judiciário exatamente para essas finalidades com bem mais vigor que os sistemas constitucionais anteriores. Por um lado, temos, portanto, um Poder Judiciário forte, do ponto de vista formal e institucional, pelo menos como tal projetado pela Constituição, mas também temos por outro lado, e isso é um desafio, um Judiciário cada vez mais fragilizado, não pela falta de dedicação e vocação dos magistrados para essa missão, mas especialmente pelas dificuldades dos magistrados poderem operar de forma mais realmente efetiva nesse cenário em função das próprias dificuldades de estrutura, até mesmo funcionais no que tange o número de processos. A própria dificuldade de gerir um processo com eficácia e priorizar demandas que envolvam direitos fundamentais mais sensíveis, um conjunto de ações que muitas vezes leva a uma avalanche de processos que dificulta realmente a ação do magistrado mais pontual, mais focada nessa dimensão, isso por um lado. Mas também pela resistência dos demais poderes, especialmente em função de uma crise mais profunda do ponto de vista inclusive institucional, não apenas a questão da carência de recursos, de cada vez maiores déficits nesse cenário, mas também de uma crise institucional de falta de diálogo e até mesmo de respeito entre os poderes. Por que o Judiciário funciona? Funciona em um estado democrático forte, onde há realmente respeito às decisões judiciais. Vou citar o exemplo da Alemanha, onde a execução contra a Fazenda Pública é uma exceção, porque se o Judiciário decide uma causa contra a Fazenda Pública ou a Administração Pública, encerrados os recursos que não são tantos quanto aqui, ainda mais quando pacificada a jurisprudência, o Poder Público cumpre. Portanto, as hipóteses de ser necessário executar a Fazenda Pública para conseguir receber aquilo que o Poder Judiciário atribuiu ao cidadão são absolutas exceções. Portanto, é um outro cenário onde se percebe que o juiz uma vez que decide há um respeito entre os poderes, uma tradição de cumprimento das decisões. Isso permite um outro desempenho do Poder Judiciário. Então, o nosso desafio de superar essas barreiras é imenso, porque isso em grande parte não depende do próprio Judiciário e dos os seus atores. 

Diante dessa realidade, que ações podem ser tomadas na busca de soluções para esses problemas? 

As ações que os juízes podem tomar, evidentemente, são importantes, mas cada vez mais limitadas, em parte pelos fatores que já mencionei. Primeiro, a grande reforma, pelo menos do ponto de vista processual, não aconteceu. Nem o novo Código de Processo Civil, que já está se discutindo, nem as demais estruturas que nós temos organizatórias procedimentais são satisfatórias para permitir, com a suficiente agilidade, presteza e eficácia a uma ação, digamos, mais efetiva do Poder Judiciário, que, na verdade, em grande parte, justamente pela iniciativa e dedicação dos seus membros tem até feito verdadeiros milagres se formos levar em conta, justamente, os obstáculos que se tem enfrentado. Então, essas reformas são indispensáveis para poder ter um Judiciário mais dinâmico, mais ágil. Além disso, a melhor estruturação do próprio Judiciário no que tange a recursos, não digo nem a questão salarial, mas de recursos mesmo para poder atuar em certas esferas com a devida estrutura, como por exemplo ações ambientais, ações de probidade etecetera, que envolvem todo um conjunto de elementos importantes que podem dar suporte a melhor decisão, a melhor condução do processo nessas circunstâncias. O Poder Judiciário gaúcho têm dado várias mostras de ações tomadas por colegas isoladamente ou em grupos, até já por iniciativa do próprio Tribunal e da Corregedoria onde se tem, justamente, como eu disse, feito verdadeiros milagres se levarmos em conta a gravidade da situação, da deficiência no cumprimento de políticas públicas e da própria, digamos assim, pobreza que temos no Brasil, que é o grande obstáculo para a efetividade do Direito. 

O Poder Judiciário do Rio Grande do Sul é reconhecido como um dos mais eficientes do país. O senhor credita isso a quais fatores? 

Ao desempenho da Magistratura, do Poder Judiciário, seja dos juízes, seja dos servidores. Evidentemente, onde não há vontade, onde não há pessoas dedicadas, em uma linguagem mais coloquial, que “vestem a camiseta”, não há nada que funcione. Tanto que se percebe lugares onde têm alta tecnologia, recursos à disposição, mas ainda assim as coisas não andam. Então, o primeiro fator é o fator humano. Seguramente, a grande maioria dos nossos magistrados e servidores são realmente engajados no que fazem e buscam no dia a dia fazer o melhor possível. E a preocupação que tem tido o Tribunal, ao longo dos anos, de qualificar também os magistrados com cursos de atualização, assim como os servidores. Esse fator é determinante, faz toda a diferença. Além disso, evidentemente, um planejamento. No Tribunal, na Corregedoria e na própria AJURIS, há anos se trabalha com a visão voltada para a gestão visando assegurar maior eficiência e qualidade na prestação judiciária. A própria demonstração dada em público e infelizmente não levada em conta pela mídia do esforço que o Judiciário tem feito para economizar, inclusive, para aplicar melhor recurso, resultando na economia de alguns bilhões de reais nos últimos anos. Tudo isso, evidentemente, no somatório, faz com que o Poder Judiciário gaúcho tenha esse desempenho, que do ponto de vista nacional é o melhor, o que é excelente, mas nós sabemos que não é o ideal, pois ainda assim os nossos processos talvez demorem mais do que deveriam, embora seja o mais rápido do Brasil. E, infelizmente, também aqui no Rio Grande do Sul não se cumpre as decisões judiciais. Julgar contra a Fazenda Pública é, praticamente, julgar sem efetividade. As sentenças são proferidas, recursos são processados e julgados, os processos vão para Brasília e, normalmente, as coisas param em precatórios, na falta de adimplência. Mas isso já não se pode atribuir aos nossos juízes, aos nossos servidores e ao Poder Judiciário.

Essa situação do descumprimento das decisões judiciais acontece por que?

Primeiro lugar porque isso virou quase uma tradição no Brasil. As decisões judiciais uma vez tomadas, mesmo em última instância, continuam sendo contestadas até ad aeternum por todos os meios possíveis. Isso não é só no Rio Grande do Sul, por isso que o Poder Público é o maior cliente do Judiciário no Brasil inteiro. Já é uma tradição e as explicações são as mais variadas. Normalmente, o argumento é falta de recursos e, evidentemente, isso acaba gerando esse déficit. São milhões de pessoas aguardando anos a fio, às vezes décadas, para conseguir ter realmente o direito efetivado, apesar de uma decisão judicial que o assegurou. Isso o Judiciário não vai conseguir ele próprio solucionar. Sem vontade política, de uma restruturação desse modelo, não é o Judiciário que vai conseguir resolver.  

Tem uma questão que temos debatido muito nas entrevistas do Especial. A sociedade brasileira, muitas vezes, tem dificuldade de O senhor acha que há, realmente, uma cultura do litígio no país? E isso prejudica o Judiciário? 

Falar em cultura do litígio é difícil. Diria que temos uma cultura que leva a cultura do litígio. A contumaz inadimplência, o contumaz descumprimento das leis, das regras mínimas, em todos os setores público e privado é evidente que leva a uma litigância. Se as pessoas têm as malas atrasadas porque a Infraero não funciona, se caem nos buracos nas estradas porque o asfalto não está bem feito, é evidente que se não há composição espontânea disso, as pessoas vão ser obrigadas a recorrer ao Judiciário. Então, diria que cultura do litígio talvez seja um pouco forte. As pessoas vão à Justiça porque de algum modo, pelo menos em grande maioria, tiveram algum direito afetado. O que talvez nós tenhamos é uma dificuldade, uma resistência, porque é mais cômodo deixar a pessoa recorrer ao Judiciário porque se sabe que as ações vão demorar, depois igual vão ter que executar, e com isso se ganha tempo. Então, na verdade, se cria uma cultura outra que é a de inadimplência, que justamente leva a essa litigiosidade grande. É difícil dizer que há uma cultura do litígio. É evidente que há demandas forçadas, evidente que há pessoas que vão ao Judiciário até sem razão, evocando argumentos não muito consistentes em face da nossa ordem jurídica. Tudo isso existe, mas não me parece que seja a regra. Parece que em geral, pelo menos com a experiência que a gente tem no dia a dia da jurisdição, é que as pessoas tiveram algum problema e levam isso ao Judiciário porque não há outros canais.  

Esses outros canais poderiam ser os modelos de autocomposição de conflitos? 

Poderiam ser. E aí, realmente, as pessoas têm que ser educadas pra isso. Talvez, nesse aspecto, poderia-se ajustar um pouco essa cultura da litigância. O próprio Poder Judiciário gaúcho tem investido em mediação e nessas formas alternativas, digamos assim, embora dentro da cultura judiciária, com resultados já bastante positivos em geral. Agora, repito, as pessoas têm que sentir que isso funciona. Porque não adianta fazer um acordo no Juizado e depois esse acordo não ser cumprido e igual a coisa resultar numa execução que se perpetua no tempo e, normalmente, esbarra na ausência de bens e, por fim, acaba no mesmo nível de inefetividade do processo comum. 

No começo da nossa conversa, o senhor falou sobre os principais desafios do Judiciário. Diante dessa realidade, como projeta o futuro do Judiciário nos próximos anos? 

Acho que o projeto futuro do Judiciário é sobreviver como instituição. Realmente os ataques ao Judiciário têm sido muitos, pelo menos, em relação a sua independência funcional. Eu diria que, para o Judiciário se legitimar e para sobreviver como Poder e instituição indispensável para uma democracia forte que é, realmente precisa continuar investindo, com todas as suas forças e energias apesar da carência de recursos, nessa postura realmente pró-ativa de efetivação de direitos com responsabilidade buscando ao máximo garantir níveis de eficiência que possam fazer a população realmente acreditar que o Judiciário ainda é o caminho adequado em relação à Justiça com as próprias mãos que infelizmente cada vez mais acontece no Brasil.

 

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