13 ago Desafio do Judiciário é atender a impressionante demanda, destaca Eugênio Facchini Neto
O número de processos em tramitação no Brasil representa, praticamente, a metade da população. Como atender a essa impressionante demanda é o tema abordado no Especial XI Congresso Estadual de Magistrados desta semana pelo desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Eugênio Facchini Neto. “Boa parte dessas ações, referem-se a prestações que o Poder Público não atende, ou seja, algum direito que o cidadão acha que tem contra o Estado, no sentido de ente público, e que não é atendido pelas vias regulares”, ressalta.
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O magistrado credita esse cenário, principalmente, à ineficiência do Executivo, nas três esferas, seja pela falta de políticas públicas, seja pela falha na fiscalização. “O Estado peca por não exercer o seu papel de fiscalizador através das agências reguladoras. Então, essas demandas que se contam as centenas de milhares se devem, muitas delas, a uma deficiente atuação do Executivo”, analisa.
O Especial XI Congresso Estadual de Magistrados tem o objetivo de antecipar assuntos que estarão em pauta no evento promovido pela AJURIS e, com isso, estimular a apresentação de teses pelos magistrados. A primeira edição internacional do Congresso Estadual de Magistrados será realizada entre 24 e 26 de setembro, em Montevideo, capital do Uruguay, e terá como tema Efetivar Direitos: O Desafio da Magistratura.
Informações sobre inscrição, transporte, programação e o regulamento estão disponíveis AQUI. Os magistrados podem enviar teses até o dia 10 de setembro.
O Congresso tem patrocínio do Banrisul e do Sicredi – Gente que coopera cresce e apoio da Escola Superior da Magistratura e do Ministerio de Turismo y Deporte do Uruguay.
Na sua opinião, quais são os principais desafios da Magistratura atualmente?
São muitos eu diria. Nós vivemos numa sociedade bastante conflituada, muitos litígios. O Brasil é um dos países que do ponto de vida estatístico está lá na ponta. Não conheço algum país que tenha tantos processos em tramitação quanto o Brasil. Os últimos dados apontam que nós temos praticamente a metade de processos do número da população brasileira, isso considerando desde crianças até velhos. É uma coisa realmente impressionante. Então, como dar vazão, como dar conta de toda essa demanda de Justiça? É claro que se poderia fazer uma abordagem sociológica e se abordar as causas: por que no Brasil nós temos uma demanda tão grande que não aparece lá fora? Possivelmente, uma das razões deve-se ao fato de que boa parte dessas demandas, dessas ações, referem-se a prestações que o Poder Público não atende, ou seja, algum direito que o cidadão acha que tem contra o Estado – o Estado no sentido de ente público, pode ser a União, pode ser o município –, e que não é atendido pelas vias regulares. Vamos pegar o exemplo mais simples do acesso à saúde. A Constituição garante, de certa forma, a todos o acesso à saúde como um direito fundamental pelo nosso sistema, que é um sistema previdenciário bastante abrangente, o Sistema Único de Saúde, que é uma cobertura universal. Então, qualquer doente que não possa pagar teria direito de acesso à medicação necessária. Só que nós vivemos em um país que tem problemas orçamentários intensos, graves e crônicos e com isso muitas vezes ou o município, ou o Estado ou a União não cumprem a sua parte e não atende, administrativamente, a essas reivindicações. Isso faz, portanto, que o cidadão que acha que tem direito, e necessitando do remédio, ingresse com uma ação judicial pedindo que o juiz ordene o ente público a lhe fornecer aquela medicação, ou lhe garantir o acesso ao hospital, alguma coisa do gênero.
A Judicialização da saúde, de certa forma, é o Judiciário tendo que fazer o papel do Executivo, tendo que garantir direitos?
Isso. A Administração deveria, espontaneamente, atender isso. Às vezes, ou por má gestão ou má organização, não o faz, mas, às vezes também, e se tem que reconhecer, por problemas orçamentários. Às vezes até tem razão em negar determinadas pretensões, tipo, existe no campo da medicina aquilo que chamam de protocolos médicos, ou seja, para cada tipo de doença existe um consenso científico sobre que medidas se deve tomar, quais as medicações que são, digamos, compatíveis com aquele problema e resolvem aquele problema. Só que, muitas vezes, o cidadão quer um outro remédio, não aquele previsto nos protocolos. Às vezes se coloca um remédio genérico e ele quer um remédio de “grife”, digamos assim. Muitas vezes o efeito é o mesmo, o princípio ativo é e a eficácia do remédio vai ser também a mesma. Mas a parte acha que tem direito aquele porque o médico pediu. Então, é complicada essa questão. Outra parte de demandas, e que atravancam especialmente as Varas da Fazenda Pública e o Tribunal também na área de Direito Público, são demandas contra o Estado do Rio Grande do Sul em razão de direitos que o funcionário público tem e que não estão sendo respeitados pelo Poder Público. Tipo, aqui no Rio Grande do Sul nós demos um dado que impressiona, são ações relativas a chamada Lei Brito. Na época do governador Antônio Brito, e lá se vão mais de quinze anos, foi editada, promulgada, uma lei concedendo determinados benefícios aos funcionários. Na sequência, se percebeu que aquela lei teria um efeito econômico para as finanças públicas muito sério e se revogou a lei. Mas o fato é que ela entrou em vigor e, consequentemente, as pessoas incorporaram o direito. Só que, como o Executivo deixou de cumprir administrativamente essa lei, os funcionários públicos, e se contam as dezenas de milhares, entraram com ações judiciais buscando, exatamente, a efetivação disso. Esse é um outro nicho de demanda. Outras ações são as contra as empresas de telefonia em razão de serviços que não foram solicitados, não estão sendo prestados, mas estão sendo cobrados. Ações contra bancos. Tem um nicho de ações, e se contam também as centenas de milhares ou milhões, que não envolvem o Estado, mas, muitas vezes, o Estado peca por omissão nesses casos. Porque existem as chamadas agências reguladoras, que deveriam fazer o papel de fiscalização e evitar situações como essas.
Podemos dizer que muito dessa demanda crescente da população pelo Judiciário tem a ver com a ineficiência do Executivo?
Com certeza. Se nós pegarmos em termos de dados estatísticos, aquelas chamadas de ações ou demandas clássicas, que são ações na área da família, separação, ação de alimentos, divórcios, isso não cresceu muito. Você tem o crescimento vegetativo da população, isso é natural. Disputa envolvendo vizinhos, ações possessórias, ações de usucapião. Isso está mais ou menos dentro da normalidade. Há um crescimento proporcional ao crescimento da população. Descumprimento de contratos, sempre teve e sempre terá. Isso não é o problema. Só que o problema é que o Judiciário tem crescido mais ou menos na proporção que crescem essas demandas, digamos, tradicionais. Mas nós não estamos aparelhados para atender a essas, digamos, demandas de massa, demandas coletivas de uma natureza muito semelhante uma da outra e que, ou são demandas contra o Estado, porque não fez algo que diretamente tinha fazer, e eu mencionei alguns exemplos, a Lei Brito, ações buscando medicamento, ou o Estado peca por não exercer o seu papel de fiscalizador através das agências reguladoras. Então, essas demandas que se contam as centenas de milhares se devem, muitas delas, a uma deficiente atuação do Executivo.
E essa demanda, especificamente aqui no Rio Grande do Sul, tem sido atendida a contento? O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é, reconhecidamente, um dos mais eficientes do país, mas o que poderia ser feito para que essa demanda fosse ainda melhor atendida?
É um problema bastante sério, porque no mundo inteiro, e isso nós temos que reconhecer, existem limites orçamentário, ou seja, seria doente um país que aumentasse desmesuradamente a verba do Judiciário para aumentar, decuplicar o número de juízes, funcionários etc. Porque, vamos combinar, nós resolvemos problemas passados, mas uma nação anda para frente, ou seja, tem que alavancar o futuro, investir em infraestrutura, em energia, em estrada, saúde, educação. Então, se eu colocar muito do orçamento para resolver problemas que já aconteceram, estou inviabilizando o futuro. Por isso que, no mundo inteiro, existem limites orçamentários que não podem ser ultrapassados. Então, não há expectativa de bom quem sabe que daqui a dez anos o Poder Público vá reconhecer a importância do Judiciário e vá aumentar o percentual. Não. Isso não vai acontecer. Repito não vai acontecer. Portanto, temos que fazer mais e melhor com o que temos aí. Claro, reivindicações de mínimos aumentos até para atender ao crescimento vegetativo da população, têm que ser feitas, mas não vai haver saltos. O que fazer diante disso? Um dos grandes saltos de qualidade que houve, e eu estou falando de algo que na minha atividade jurisdicional presenciei, tenho 35 anos de Magistratura completados neste ano, então, comecei em uma época que não havia informática, era eu e uma máquina Olivetti portátil, minha, que eu havia comprado, não tinha assessoria, ninguém que trabalhava comigo, e eu fazia uma operação manual, era eu e eu mesmo. Então, é claro que a produtividade de um juiz naquela época era muito inferior a do que um juiz hoje produz. Hoje um juiz, com a informática, tem uma potencialidade de aumentar o seu trabalho enormemente. A informatização potencializou, racionalizou e dinamizou a prestação jurisdicional de forma incrível. Um juiz hoje com toda essa parafernália da informática produz, seguramente, dez vezes mais que naquela época. Isso é um ganho. Ótimo, estamos apostando maciçamente nisso aí. Agora, a demanda subiu mais do que dez vezes desde então, então não basta só isso. É um caminho muito bom, está sendo seguido e observado. Mesmo assim, estamos perdendo para os números. Nessas ações, digamos artesanais, não tem solução, é o juiz que pessoalmente vai ter que olhar o processo de alimentos, de ação de separação, de uma ação de usucapião. Mas nesses outros processos, em que a matéria se repete, uma das soluções passa pela coletivização das demandas, ações coletivas. Esse é um norte para o futuro. Ao invés de um juiz julgar cem mil vezes o mesmo processo, uma única ação coletiva, muitas vezes, resolve tudo isso aí.
A sociedade brasileira é conhecida por ser muito litigiosa, digamos assim, por buscar o Judiciário para resolver os seus conflitos. Medidas como a mediação, a conciliação e a Justiça Restaurativa também são um caminho para atender a essa demanda?
Com certeza. Pelos números que nós temos aí, por óbvio que se o juiz não dá conta um mediador também não vai dar. Agora, ajuda é um dos meios possíveis que se podem utilizar, sim, para resolver isso. E mais importante, talvez, seja a questão cultural, ou seja, perceber que a Justiça não deve ser a primeira via e sim a última praia. Ou seja, depois de esgotado tudo, vamos lá. Isso é um dado cultural dos mais difíceis de alterar.
Desembargador Facchini, diante de toda essa realidade abordada nesta entrevista, como o senhor projeta o futuro do Judiciário nos próximos anos?
Olha, eu sou um otimista incorrigível. Entre apostar que vai dar errado e apostar que vai dar certo, sempre aposto que vai dar certo. O povo brasileiro é um povo criativo, nós enfrentamos crises, permanentemente, mas de alguma forma conseguimos superar. E no Rio Grande do Sul especialmente nós somos realmente a Justiça mais criativa do país e a gente vai, de alguma forma diante da crise, superando-as, criando, inovando, encontrando caminhos, atalhos. Crises importantes servem, muitas vezes, para estimular a reflexão. Se tudo corre bem, as pessoas entram no automático e não refletem, não aperfeiçoam, não melhoram. Mas quando nós temos crises, inclusive orçamentárias, às vezes, a gente aprende a fazer melhor e mais com aquilo que tem. Talvez seja esse o caminho. Nós temos uma geração fantástica de juízes novos, criativos, inovadores, projetos estão sempre sendo gestados, e eu acredito que estamos à altura dos desafios presentes e futuros.
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