fbpx

Para Adroaldo Fabricio, sobrecarga é o principal desafio do Judiciário

Para Adroaldo Fabricio, sobrecarga é o principal desafio do Judiciário

Ex-presidente do TJ/RS é destaque no
Especial XI Congresso Estadual de Magistrados.

O entrevistado do Especial XI Congresso Estadual de Magistrados desta semana é o ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS) Adroaldo Furtado Fabricio. O desembargador aposentado destaca os principais desafios enfrentados pela Magistratura.

 

O programa tem o objetivo de antecipar assuntos que estarão em pauta no evento promovido pela Associação e, com isso, estimular a apresentação de teses pelos magistrados. A primeira edição internacional do Congresso Estadual de Magistrados será realizado entre os dias 24 e 26 de setembro, em Montevideo, capital do Uruguay, e terá como tema Efetivar Direitos: O Desafio da Magistratura.

Entre os assuntos abordados pelo magistrado, está o fenômeno da judicialização no país, que sobrecarrega o Poder Judiciário. “Se vem judicializando tudo no Brasil, inclusive, no Rio Grande do Sul. Judicializando no sentido de que todas as questões que gerem qualquer espécie de desacerto entre pessoas ou instituições são, sistematicamente, levadas ao Poder Judiciário”, ressalta. O problema, de acordo com o desembargador, tem como causa a ineficiência dos poderes Executivo e Legislativo.

Informações sobre inscrição, transporte, programação e o regulamento estão disponíveis AQUI. Os magistrados podem enviar teses até o dia 10 de setembro.

Na sua opinião, quais são os principais desafios da Magistratura atualmente?

No presente momento, meu caro Rodrigo, eu tenho como fundamental gizar o fato recente de que se vem judicializando tudo no Brasil, inclusive, no Rio Grande do Sul e até particularmente aqui. Judicializando no sentido de que todas as questões que gerem qualquer espécie de desacerto entre pessoas ou instituições são, sistematicamente, levadas ao Poder Judiciário. Nós sabemos que esse fenômeno é nacional, não está acontecendo só aqui, e também sabemos que ele não se deve a uma mudança estrutural da sociedade, ele se deve, principalmente, às omissões em que vem incidindo os demais poderes. O Legislativo se omite na regulação de algumas situações novas, o Executivo, por vezes, não toma a iniciativa de fazer cumprir a legislação existente e isso resulta em que vai desaguar tudo na esfera judicial. Parece-me ser esse, talvez, o grande desafio dos dias de hoje no exercício da jurisdição.

O quanto essa questão prejudica o Judiciário?

É evidente que, em um quadro que todos nós conhecemos, de agravamento cada vez maior das cargas de trabalho e do aumento do volume das demandas judiciais em geral, isso representa mais uma sobrecarga que o Judiciário, por sua vez, não pode repelir, recursar-se a aceitar. Uma vez que não havendo solução nas esferas que seriam próprias, o Judiciário não tem como repelir as demandas que deveriam, talvez, ser prevenidas pela atuação do Poder Legislativo e do Poder Executivo, mas não foram. A preservação dos direitos dos interessados impõe que alguém assegure esses direitos e, na falta de outro caminho, o Judiciário é uma espécie de desaguadouro para onde vão confluir todas essa carga de demandas e de insatisfações. Isso é prejudicial para o funcionamento do Judiciário na medida em que, toda e qualquer demanda que chega ao Poder Judiciário e que poderia ter sido evitada, é de certo modo uma demanda artificial, que não deveria estar ocupando os serviços da Justiça e, no entanto, lá está ajudando a obstruir as vias judiciais que deveriam estar mais abertas para litígios inevitáveis que a sociedade sempre vai gerar e que sempre gerou e que constituem, historicamente, a esfera de atuação do Judiciário.

Fora a ineficiência dos demais poderes, que acaba sobrecarregando o Judiciário, a sociedade brasileira é conhecida por ter dificuldade de solucionar conflitos. Como o senhor avalia essa situação?

Aí é evidente que entra um fator cultural, muito brasileiro, e eu acrescentaria que muito gaúcho, porque a nossa tendência de grenalização, que nós conhecemos bem aqui no Rio Grande do Sul, a tendência para levar a condição litigiosa as situações que poderiam, eventualmente, comportar soluções não litigiosas, soluções consensuais, é um dado cultural que todos nós sabemos que existe. E, como nós não temos uma tradição e uma cultura de mediação prévia e nem mesmo de conciliação ou de adoção de mecanismos alternativos que hoje são correntes em toda parte, tudo isso concorre para abarrotar cada vez mais o Poder Judiciário e sobrecarregá-lo.

Nesse sentido, o senhor apoia os modelos de autocomposição de conflitos?

Parece-me que esse é um caminho que pelo menos deveria ser melhor explorado. Porque nós sabemos que há uma certa rejeição cultural a essas vias alternativas. Por exemplo, o juiz arbitral nunca progrediu no Brasil porque a população, e muito especialmente o empresariado que seria o usuário preferencial do juízo arbitral, não abre mão, das soluções jurisdicionais. Existe, claro que existe, esse dado cultural. E a isso se soma também uma questão que é mais generalizada e que diz respeito à demanda em geral por serviços públicos. A demanda por serviços públicos de toda ordem é crescente, ela não para muito de aumentar, e também na esfera do Judiciário esse fenômeno acontece. Em grande parte até, pela maior eficiência que o Poder Judiciário vem adquirindo através de mecanismos mais modernos de atuação, o Poder Judiciário de hoje alcançou um grau de eficiência em termos de rendimento, de quantidade de processos julgados, alcançou índices muito superiores aos que poderia se quer imaginar há 20 ou 30 anos. Então, se um serviço está funcionando bem, a tendência é que mais gente procure esse serviço e isso também está contribuindo para a sobrecarga.

O Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, como o senhor destacou, é reconhecido como um dos mais eficientes do país. O senhor credita isso a quais fatores?

Ao esforço da judicatura e dos órgãos auxiliares, que se vem procurando aprimorar gradualmente. O Judiciário gaúcho, na verdade, sempre foi muito eficiente. Eu posso falar disso com muita autoridade, porque eu estive durante 40 anos dentro dele. Trabalhei como juiz durante 40 anos e é uma realidade, então, que eu conheço muito bem. O nosso grau de eficiência sempre foi bem acima do índice nacional, isso sempre nos orgulhou muito e continua a representar para a Magistratura de hoje, sem a menor dúvida, uma verdadeira conquista permanente que se constrói todos os dias. É a isso, principalmente, que nós devemos esse sucesso, essa melhor eficiência do serviço, que acaba por se traduzir também em maior procura.

O senhor falou no começo da nossa conversa sobre os principais desafios do Poder Judiciário. Diante dessa realidade, como projeta o futuro do Judiciário nos próximos anos?

Eu acredito que vem tempos difíceis, cada vez mais difíceis. De um modo geral, todo o setor público tende a enfrentar uma crise, acho que é possível usar a palavra, cada vez mais aguda, exatamente porque a cobrança, a exigência, a expectativa do usuário do serviço não para de crescer. Então, os tempos são de desafios crescentes e só há, a meu sentir, um caminho: a permanente preocupação de aperfeiçoamento e de melhoria dos serviços judiciários. A cobrança nós sabemos que é cada vez mais intensa, e não só no que diz respeito à jurisdição propriamente dita, mas vem se criando no país uma cultura de repulsa ao Poder Judiciário. Os meios de comunicação, frequentemente, adotam como conduta padrão a de buscar aquilo que não está funcionando para destacar ou aquilo que é negativo, aquilo que não é bom é o que se coloca sob o foco luminoso. E isso também é um desafio, ao qual a judicatura brasileira vem reagindo muito bem na medida em que em ampliando os seus canais de comunicação com a sociedade para que não se torne completamente refém da comunicação social organizada e empresarial.

 

Departamento de Comunicação
Imprensa AJURIS
(51) 3284.9125
imprensa@ajuris.org.br