26 jan A união homoafetiva avuncular, por José Carlos Giorgis
Artigo de autoria da desembargador aposentado José Carlos Teixeira Giorgis, publicado na
Coluna do TJ/RS do jornal O Sul desse domingo (25/1).
Embora o fato não seja recorrente, a Justiça Federal reconhece a dependência econômica para concessão da pensão por morte em um convívio estável entre tio e sobrinha.
Há cerca de 13 anos o TJ/RS (Tribunal de Justiça do Estado), em decisão pioneira, alumiou a jurisprudência nacional, proclamando que a relação entre pessoas do mesmo sexo constituía entidade familiar com apoio constitucional nivelada ao matrimônio, união estável e grupo monoparental. Motivo porque se passou a atribuir os efeitos daquela família também ao consórcio reconhecido, como o direito a alimentos, meação e partilha, nome, conversão em casamento etc.
Mais adiante o STF (Supremo Tribunal Federal) acabou afirmando que a união homossexual deverá ter o mesmo tratamento prescrito, ou efeitos, para uniões estáveis, tudo completado com o julgamento do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que achou não haver óbices para a celebração de casamento (Resp I.183.378/RS).
Esse conjunto dessaborou no provimento do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que proibiu as autoridades competentes de recusar habilitação, celebração ou conversão em matrimônio de uma relação homoafetiva estável.
O Código Civil interdita o casamento entre ascendentes e descendentes, afins em linha reta, irmãos e demais colaterais até o terceiro grau; adotado com filho do adotante, pessoas casadas, o cônjuge sobrevivente de quem matou o consorte (cai apenas tentou), todos das impedimentos que se justificam pelos danos à hereditariedade, além de radies éticas e morais, pois, em regra, a gravidez incestuosa afeta a saúde do bebê (OC 1521).
Contudo, desde a era getulista, o decreto nº 3200/41 permite o casamento de tio com sobrinha (ou na com sobrinho) se exames médicos assegurarem uma filiação sadia e a impossibilidade de defeitos genéticos na descendência e o chamado casamento avuncular.
À Bíblia não é estranho tal episódio, bastando imaginar-se como se formaram as famílias e as gerações a partir do tronco singular embora Javé tenha anatemizado as intimidades sexuais entre os parentes em linha reta e seus afins, e haja expressado maior veto ao congresso com a tia materna ou paterna que ao símile masculino (Levítico, 18 e 20)
Contudo, bem antes, Rebeca, filha de Betuel e neta de Naor, irmão de Abraão, celebrou casamento com seu tio Isaque, filho de Abraão (Gn 22.20), gerando Jacó (ou Israel).
Acolhida no ordenamento pátrio a possibilidade de casamento entre tio e sobrinha, duvidou-se de sua incorporação ao texto vigente, havendo as jornadas de Direto Civil do Conselho da Justiça Federal, encontro de juristas que explicitam posições sobre temas controversos, concebido que ditas normas estão recepcionadas, devendo o inciso IV do artigo 1.521 ser interpretado à luz do DL nº 3200/41, no que se refere ao casamento entre colaterais de terceiro grau (Enunciado 98, CEJ).
Ora, como se aceita a possibilidade do casamento avuncular e a união estável foi nivelada ao matrimônio em norma constitucional, é possível reconhecer a existência de uma “união estável avuncular” entre colaterais de 3º grau (tio e sobrinha; tia e sobrinho).
Embora o fato não seja recorrente, a Justiça federal reconhece a dependência econômica para concessão da pensão por morte em um convívio estável entre tio e sobrinha, o TJ/DF (Tribunal de Justiça do Distrito Federal) declarou a viabilidade de união estável por morte entre tio e sobrinha, também o tribunal rio-grandense entendeu ser cabível a declaração de união estável entre os colaterais tio e sobrinha.
As decisões dizem respeito episódios envolvendo parcerias heterossexuais, mas em vista da aplicação dos efeitos da união estável também aos casais homoafetivos, é de cogitar-se a existência de “uniões homoafetivas avunculares”, formadas por tio e sobrinho, ou entre tia e sobrinha, portanto constituídas por pessoas do mesmo sexo. Aliás, se conhecem tais arranjos.
José Carlos Teixeira Giorgis
Desembargador aposentado