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‘Qual o limite?’, por Cláudio Luís Martinewski

‘Qual o limite?’, por Cláudio Luís Martinewski

A pandemia impôs novas interrogações à vida humana: fragilidades, potencialidades e limites. No recorte do Direito não foi diferente. À crise sanitária, somou-se a política, que se desdobrou na definição das balizas da atuação do Poder Judiciário, notadamente na questão da busca de provas materiais acerca da eventual prática de crime, fato, diga-se, cotidiano na vida dos mais de 16 mil magistrados brasileiros.

Nesse contexto, tornou-se pública a questão: há imunidade à atividade jurisdicional concedida a algum autor de crime? O cargo que ocupa torna-o infenso a determinações judiciais? 

Em 1974, nos EUA, no caso United States v. Nixon, julgado pela Suprema Corte, foi negado ao presidente da nação mais poderosa do mundo o reconhecimento da alegação de violação das prerrogativas e imunidades do Poder Executivo e, por decorrência, a alegada quebra do princípio da separação dos poderes. O fundamento foi o de que o presidente não pode estar acima da lei e que a confidencialidade de seus atos é circunstancial, o que implicou ordem de entrega de fitas gravadas no Salão Oval da Casa Branca que armazenavam conversas do presidente com variados interlocutores sobre o Caso Watergate. Nixon preferiu a renúncia à entrega das fitas. O descumprimento não foi cogitado, pois, mais do que o caso em si, desafiar o Tribunal já seria o suficiente para afastá-lo.

No Estado de Direito são as leis que governam os homens: é o estado racional e legal. A legitimidade repousa no exercício do poder em conformidade com as leis. Nele, buscam-se interditar o governo arbitrário e a utilização do poder para satisfação dos desejos próprios dos governantes, sobretudo os ilícitos. Assim, a nota do ministro-chefe do GSI, general A. Heleno, de 22 de maio, no sentido de que é “inconcebível” a eventual apreensão do celular do presidente, se for determinada pelo STF, representa tentativa de impedir o livre exercício do Poder Judiciário, o que, se somado ao “alerta” de “consequências imprevisíveis”, em tese, infringe a regra tipificada no art. 18 da Lei nº 7.170/83, ultrapassando, pois, os limites de atos governamentais segundo as leis estabelecidas e voltadas ao bem comum.

 

Cláudio Luís Martinewski é vice-presidente Administrativo da AJURIS e desembargador do TJRS. Artigo publicado na edição do dia 29 de maio de 2020 no jornal Zero Hora.