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Previdência não é privilégio, por João Ricardo dos Santos Costa

Previdência não é privilégio, por João Ricardo dos Santos Costa

* João Ricardo dos Santos Costa, presidente da AJURIS

A jornalista canadense Naomi Klein denominou Doutrina do Choque a práxis do capitalismo de desastre para alcançar suas ações apropriatórias. Tal orientação doutrinária atende a uma estratégia de desmantelamento do Estado que consiste em primeiro destruir ou vender como terra arrasada, depois reconstruir outro modelo com ênfase restrita ao lucro.

Os próceres desse modelo lançam um ávido olhar sobre a previdência pública e identificam, nas aposentadorias do funcionalismo, uma reserva monetária considerável não somente para transferir recursos a uma minoria de espertos, mas, sobretudo, para salvar grupos de previdência privada que faliram, sem antes lesar milhões de pessoas.

O factóide do déficit da previdência pública revela a essência da Doutrina do Choque. Primeiro, cria-se a “verdade” que interessa, depois vem o remédio (ou veneno), com a implementação de um sistema previdenciário complementar que não irá desonerar o Estado, mas garantirá um farto banquete aos movidos pelo lucro. Os ideólogos do embuste são incapazes de entender que está na essência da seguridade social a noção básica de que a previdência não pode se prestar para obliterar a substância da ideia de humanidade.

Não se trata de uma crença, mas um aprendizado trazido pelas experiências desastrosas de privatizações em outros países. Os EUA, país emblemático no uso da previdência privada, hoje enfrentam uma situação de extrema dificuldade, comparativamente aos outros modelos internacionais. Economistas norte-americanos, como Jeremy Rifkin e T.R. Reid, denunciam, em seus ensaios, o abismo entre o discurso vendido no Brasil e a realidade da previdência privada americana. Os autores, que são liberais, afirmam, baseados em dados da Organização Mundial do Comércio (OMC), que a saúde privatizada nos EUA produziu 45 milhões de vidas sem qualquer seguro-saúde. Dentre os países desenvolvidos é o que mais gasta em saúde e está em 37º na qualidade dos serviços.

Tony Judy, autor de Pós-Guerra, revela que a seguridade privada (saúde e previdência) americana lança um peso crescente sobre as empresas que supera as taxas sociais e previdenciárias públicas de seus congêneres europeus. Resta a perplexidade em perceber que o individualismo inaugurado pelo Iluminismo setecentista ainda está preso na deformação do tempo e aparece no século XXI como uma mutante Teoria do Caos.