02 maio Os 100 maiores litigantes, por Ricardo Pippi Schmidt
* Ricardo Pippi Schmidt – diretor da Escola Superior da Magistratura da AJURIS
O setor público, os bancos e as empresas de telefonia são os maiores usuários do sistema de Justiça, representando 94% do total de processos em trâmite na Justiça estadual.
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) divulgou levantamento apontando quem são os 100 maiores litigantes. O resultado não surpreende. Ao contrário. Confirma o que já antevíamos: o setor público, os bancos e as empresas de telefonia são os maiores usuários do sistema de Justiça, representando 94% do total de processos em trâmite na Justiça estadual. É o uso disfuncional da Justiça: o Estado a serviço do Estado; o Judiciário gastando seus recursos para atender interesse de setores que, no mais das vezes, utilizam o sistema de Justiça para protelar o cumprimento de suas obrigações.
Segundo a pesquisa, o Estado do Rio Grande do Sul é o maior litigante nacional, figurando em mais da metade dos processos referentes ao setor público no âmbito das justiças estaduais. Dentre as explicações, não há como desconsiderar, em primeiro lugar, a demagogia do Legislativo, pródigo em criar leis que sabe inexequíveis.
Em segundo lugar, a incompetência do Executivo, que não as cumpre ou as cumpre mal, mercê de uma estrutura organizacional em que cargos de chefia são atribuídos em troca de apoios político-eleitorais. O militante que até ontem flanava bandeiras partidárias nas esquinas, vitoriosa a sua agremiação, é indicado, sem qualquer preparo, para cargos de relevância, a desqualificar o serviço público que, bem prestado, evitaria tantas ações judiciais reclamando da inércia estatal.
Mas não é só de forma direta que o poder público contribui para o aumento da litigância. Também o faz ao deixar de fiscalizar corretamente os serviços concedidos. É o caso dos bancos, responsáveis por 54% dos processos ativos. Houvesse um maior controle sobre as instituições financeiras, não haveria tantos processos envolvendo tal setor. Cinco dos dez maiores litigantes nos tribunais estaduais são bancos.
A omissão do Banco Central, permitindo a aplicação das maiores taxas de juros do planeta, certamente explica a razão de tantos processos. Outros 10% dos processos têm as empresas de telefonia como partes, resultado também da omissão da agência reguladora do setor em atuar efetivamente na defesa dos milhares de consumidores que só tem na Justiça o canal de reclamação.
Na falta de uma cultura da conciliação prévia ao ajuizamento das demandas e com o próprio poder público a dar mau exemplo, o resultado só pode ser este: uma litigiosidade sem precedentes.