09 set Grupos Reflexivos de Gênero: olhares e caminhos para a construção de uma cultura de paz
Na primeira reportagem sobre os grupos reflexivos abordamos a criação da metodologia, a importância dos grupos no enfrentamento à violência contra a mulher, além da eficácia do método na redução da violência de gênero.
Nossos entrevistados também foram questionados de que forma podemos atuar de forma preventiva pelo fim da violência. A opinião foi unânime: a educação para um cultura de paz e de respeito ao próximo. No entanto, para avançarmos é preciso olhar também para a origem desses atos, repensar alguns aspectos dos modelos de educação e fazer reflexões sobre como engajar a sociedade.
Origens da violência
Mestranda de Direito com pesquisa na área de violência de gênero, Juliana Segat é coordenadora dos grupos reflexivos da Comarca de Rio Grande. Atuando também na facilitação dos grupos, ela aponta que em uma análise superficial é possível apontar diversas causas para a violência, com várias motivações sociais e individuais, mas ressalta: “Todas elas, em última análise estão conectadas de alguma maneira com desigualdade de gênero”.
Na avaliação de Juliana Segat ao analisar os comportamentos que resultam na violência doméstica é possível observar um padrão, que na sua pesquisa acadêmica usa a expressão de “masculinidade hegemônica”.
Isso não quer dizer, que este padrão é a única masculinidade existente, ou ainda que seja a mais incorporada pelos homens. Mas, segundo a pesquisadora, este é o padrão de masculinidade que habitualmente e culturalmente tem sido exaltado no Brasil, e que acaba se sobrepondo aos demais.
Mudanças culturais
A incorporação deste modelo hegemônico de masculinidade, embora possa aparentemente trazer vantagens aos homens, como mais poder e oportunidades, a longo prazo pode produzir resultados como a insatisfação, a inabilidade para o diálogo, além da falta de controle na expressão de sentimentos e necessidades.
A pesquisa “Precisamos falar com os homens?”, realizada em 2016 pela plataforma Papo de Homem e pela ONU Mulheres, apontou que 66,5% dos homens não falam com amigos sobre medos e sentimentos, e que 56,5% dos homens gostariam de ter uma relação mais próxima com amigos, expressando mais afeto e podendo falar sobre sentimentos e dúvidas.
Para o titular do Juizado de Violência contra a Mulher de Caxias do Sul, Emerson Kaminski, a experiência de acompanhamento dos grupos, que é feita em diferentes momentos por toda a equipe do Juizado, aponta para a mesma conclusão: a falta aprendizado sobre desenvolvimento emocional.
E é neste sentido, de repensar esses estereótipos e papéis que automaticamente vão sendo impostos pela sociedade, que os grupos reflexivos de gênero atuam. Para a psicóloga do Juizado de Violência contra a Mulher da Comarca de Porto Alegre, Ivete Vargas, é importante a existência de espaços, como os dos grupos, que não incluam a violência, permitam o diálogo e que os homens possam expressar sentimentos.
“O machismo é estrutural mas não nasceu com as pessoas, não é uma característica inata que se pode ver (o seu índice de machismo de 30% ou 80%). Então o que precisamos é refletir sobre a cultura, olhar pra história e tentar entender por que se pensava até pouco tempo atrás que as mulheres não tinham capacidade para isso ou aquilo”, afirma a psicóloga, apontando a responsabilidade das doutrinas educacionais, jurídicas, científicas, que contribuíram para colocar a mulher nessa posição.
Ressignificar para transformar
Ressignificar códigos sociais que exaltam a violência e negligenciam o desenvolvimento de habilidades emocionais são desafios para promover essas transformações culturais. “Por que o homens têm uma saúde mais negligenciada? Por que são os que mais matam e os que mais morrem? Os que mais vão presos e que mais sofrem acidente de carros?”, questiona Juliana Segat: “Isso é sinal que não é de cada indivíduo, que é uma questão estrutural e que tem a ver com esses padrões”.
Atuando há mais de 10 anos com a temática, a juíza de Direito e titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Madgéli Frantz Machado, ressalta também importância da educação emocional e aponta a eficácia das técnicas utilizadas nos grupos, como as ferramentas de comunicação não violenta: “Há outras forma de resolver conflitos. Conflitos todos nós temos, o importante é a gente saber como resolver, como trabalhar, como tratar de assuntos nos relacionamentos e na família de forma saudável”.
Para avançar neste tema é preciso falar sobre o assunto e chamar os homens para discutirem o modelo de relações, de sociedade que queremos. “Quando os homens se unirem às mulheres, entendendo que neste modelo de sociedade machista todos saem perdendo, poderemos iniciar algumas mudanças”, sinaliza também a psicóloga Ivete Vargas.
Esse também é o pensamento de Edegar Pretto. Pai de três meninos, deputado estadual no terceiro mandato, ele conta que além de ser uma diretriz da atuação parlamentar, a luta pela fim da violência e ampliação da participação dos homens nesse debate virou uma causa de vida: “A cultura em que os meus guris vão criados tem que ser diferente”, afirma ao apontar a necessidade de uma sociedade com mais equidade.
Umas das ideias de Pretto é trazer para o Estado, iniciativas semelhantes ao Projeto Memoh, que realiza grupos reflexivos não apenas para homens autores de violência, como também para aqueles que desejam refletir sobre masculinidades, machismo e equidade de gênero. Criado há três anos no Rio de Janeiro, o projeto trabalha através dos grupos reflexivos, da produção de conteúdo, como os podcasts, ou de consultoria corporativa.
Outro exemplo, que vem de solo carioca é a plataforma Papo de Homem, que há 13 anos atua em diversas áreas para refletir e debater esse tipo de masculinidade. Em 2019, como resultado da pesquisa realizada com a ONU Mulheres, e que ouviu mais de 40 mil pessoas sobre questões a respeito das masculinidades, o Papo de Homem lançou o documentário “O silêncio dos homens” e também um livro que leva o mesmo nome.
É também na linha da educação para as futuras gerações, que o juiz Emerson Kaminski aponta: “Mas se a gente mudasse o foco? Quem sabe a gente, pai e mãe com filho, passa a incutir neles valores diferentes. ‘Olha filho, tu vai ajudar o pai a mãe nas atividades de casa, porque: primeiro tu vai para demonstrar solidariedade com teu núcleo familiar e, por futuro, tu vai aprendendo a ser independente’”, relata, apontando para a importância de educar com autonomia.
Ampliando o debate para toda a sociedade, pensando em uma educação livre de estereótipos, levando a discussão para outras esferas é possível acreditar que novos caminhos para transformar essa realidade, e estabelecer relações mais humanas, marcadas pelo diálogo e respeito ao outro: “A escola é o primeiro lugar onde a gente tem que conversar sobre isso. A escola, a universidade, porque aí sim a gente vai estar atingindo também, não só aqueles jovens, mas também indiretamente a família”, finaliza Madgéli Machado.
Reportagem: Joice Proença
Edição dos vídeos: Vinicios Sparremberger