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O USO E O ABUSO, por Pio Giovani Dresch

O USO E O ABUSO, por Pio Giovani Dresch

* Pio Giovani Dresch – Vice-Presidente da AJURIS

Cena 1: Em programa de televisão, o deputado Jair Bolsonaro diz que seria promiscuidade seu filho relacionar-se com uma mulher negra e profere ofensas a homossexuais. Em declarações posteriores, afirma que não quis ofender os negros, mas reitera os ataques homofóbicos.

Cena 2: Em outro programa, o deputado Marchezan Júnior diz ser óbvio que juízes do Rio Grande do Sul vendem sentenças. Instado

a dar os nomes dos corruptos, desconversa, diz que em todas as famílias há os bons e os ruins e que até os caixas de padaria desviam moedas. Mas reafirma a acusação e conclui que a regra do serviço público é ser incompetente e corrupto.

Bolsonaro e Marchezan incorporam dois tipos que ocupam nichos ideológicos bem característicos, o que os habilita a ter sucesso no mercado eleitoral, por cativarem eleitores com um perfil de inconformismo em relação a aspectos particulares da política. Bolsonaro, saudosista da ditadura militar, contempla quem deseja uma sociedade autoritária e vê na democracia o campo propício para florescerem o vício e a degeneração; já Marchezan, no estilo que teve seus expoentes em Jânio Quadros e Collor de Mello, estreia no Congresso graças a um discurso que encanta os que veem o setor público dominado por marajás.

Não se pode negar que, mesmo não seduzindo a maior parte da população, ambos os discursos, que têm em comum ainda uma forte expressão midiática e um apelo vago contra a corrupção, encontram eco suficiente para elegerem um certo número de representantes, entre os quais os dois aqui nominados.

Num discurso fácil e que cala forte, ambos ocupam seus espaços, amparados pela imunidade parlamentar, que lhes permite dizer o que não seria lícito a um cidadão comum, sempre ameaçado de responsabilização civil e criminal por excessos no linguajar.

Evidentemente, a imunidade parlamentar é um instituto fundamental para a democracia, porque permite aos parlamentares defenderem suas ideias sem que corram o risco de sofrerem perseguições. A pergunta é: a imunidade parlamentar serve só para o uso ou serve também para o abuso?

Em outras palavras, pode Bolsonaro ofender negros e homossexuais sem que seja chamado a responder por isso? Pode Marchezan dizer que os juízes vendem sentenças sem que ao menos lhe seja exigido mostrar onde está a corrupção?

É uma pergunta. A sociedade há de encontrar sua resposta.