21 maio O triste fim de João sem terra, por Newton Fabrício
Artigo de autoria do desembargador, Newton Fabrício, publicado no dia 20 de maio na editoria Opinião em ZH Online.
15 de junho de 1215. Os barões ingleses obrigam João Sem Terra a assinar um documento que entraria para a História com o nome de Magna Carta. O rei, porém, não cumpre a sua palavra: assim que os barões se retiram, ele deixa claro que não pretendia cumprir o que assinara. A guerra civil, como era óbvio, estava prestes a eclodir. João Sem Terra pede a ajuda do Reino da França para manter a coroa e impor a sua vontade _ e, naturalmente, aumentar mais uma vez os impostos. João Sem Terra não perdeu, porém, apenas a coroa: perdeu também a vida, pouco mais de um ano depois de assinar a Magna Carta.
Nem João, nem seu irmão Ricardo nasceram para serem reis. Dentre os homens (na Inglaterra da época, as mulheres não podiam ocupar o trono), João era o quinto filho do Rei Henrique II e de Leonor de Aquitânia; Ricardo, o terceiro. Logo, nenhum dos dois poderia sequer sonhar que um dia herdariam a coroa. Mas, a vida, com os seus destinos incertos, surpreendeu a ambos _ morreram cedo os irmãos mais velhos, Guilherme e Henrique (e, mais adiante, também Geoffrey, o quarto filho homem do casal), e o cetro e a coroa do Reino da Inglaterra caíram nas mãos de Ricardo _ que, na realidade, praticamente sempre morou na França, no ducado da Aquitânia, então de domínio inglês.
O que fez Ricardo, ao tornar-se Rei? Endividou a Inglaterra e partiu para a Terra Santa, para recuperar Jerusalém, naquela que se tornou conhecida como a Terceira Cruzada. Ricardo não recuperou Jerusalém, mas conquistou o apelido de Coração de Leão. No retorno, após restar preso mais de ano, os ingleses pagaram o seu resgate, mediante uma quantia vultosa, ao Rei Guilherme VI, da Alemanha, com o que finalmente chegou à Inglaterra. Em poucas semanas, reconquistou o trono inglês, usurpado por João Sem Terra, partindo novamente para a França.
A vida dos dois irmãos foi muito diversa, assim como a morte. Ricardo Coração de Leão teve a morte digna de um rei do auge dos tempos da cavalaria: um flechaço no lado esquerdo do peito, em plena batalha, montado no seu cavalo e liderando o ataque ao Castelo de Châlus. O pobre João Sem Terra, por sua vez, teve um fim miserável. Durante a campanha empreendida com o seu exército, tentando recuperar a coroa e o cetro que perdera, teve um ataque de disenteria. Disparou, então, para o mato, onde morreu em prosaica situação.
Ricardo Coração de Leão é até hoje cantado em prosa e verso na Inglaterra, onde praticamente nunca viveu _ e sequer sabia falar inglês. Por sua vez, João Sem Terra entrou para a História como um pobre diabo que queria ser rei _ mas que nada fez de bom, útil ou digno de respeito ou consideração.
Oitocentos anos depois, me ponho a pensar: se não fossem os abusos e a ganância por impostos de João Sem Terra e a Magna Carta não teria surgido, em 1215. Não foi, então, sem nenhuma utilidade a vida do pobre João Sem Terra. Afinal, ainda que por vias transversas, foi ele que propiciou as condições para que os barões ingleses se revoltassem e exigissem a assinatura da Magna Carta, limitando o poder do rei.
Dessa reflexão, só me resta uma perplexidade: nunca, como agora, o Direito Constitucional esteve em tanta evidência. No entanto, na data marcante dos 800 anos do nascimento e assinatura da Magna Carta, documento primordial na História do Constitucionalismo, não há um único simpósio ou ciclo de estudos para celebrar esse fato histórico.
Newton Fabrício
Desembargador