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O rosto da criança é para receber afagos, carícias, jamais para ser punido, por Luis Carlos Rosa

O rosto da criança é para receber afagos, carícias, jamais para ser punido, por Luis Carlos Rosa

Artigo de autoria do juiz de Direito Luis Carlos Rosa, publicado no dia 8 de fevereiro em coluna semanal no Jornal das Missões, de Santo Ângelo.

Outro dia estava caminhando pelas ruas de Santo Ângelo quando em determinado local vi que estavam duas crianças, um menino e uma menina, provavelmente irmãos, cerca de 4 e 5 anos de idade, brincando no pátio da casa, começando uma pequena discussão, momento em que uma senhora, provavelmente a mãe, se aproximou dos dois e deu um tapa no rosto do menino, além de intimidá-lo verbalmente, diminui o passo e vi que a criança sentou em um canto, baixou a cabeça e começou a chorar, enquanto a mãe entrou na casa com a menina. Será que essa ação da mãe está legalmente respaldada no poder que exerce sobre o filho? Os pais podem corrigir os filhos com tapas e castigos?
Na minha infância mais de uma vez minha mãe aplicou em mim e meu irmão palmadas, aliás, fazíamos sim nossas travessuras, próprias de crianças nesta idade, palmadas aplicadas na região do corpo, digamos assim, “politicamente correta”, ou seja, nas nádegas. Naquela época, por volta de 1970, em pleno regime militar, não se cogitava do regramento jurídico hoje vigente, denominada “Lei da Palmada”, Lei nº 13.010/2014.

Essa Lei inseriu no Estatuto da Criança e do Adolescente o art. 18-A, que tem a seguinte previsão: “A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los”. E mais: “Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se: I – castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em: a) sofrimento físico; ou b) lesão;”.

A lei tem que ser interpretada, aliás, toda lei tem que ser interpretada com razoabilidade e ponderação. Em uma interpretação rápida e literal poderíamos afirmar que não é legal qualquer tipo de correção que implique uso de força, incluindo-se aí palmadas no “bumbum”, o que rendeu inúmeras críticas e discursos contrários à lei.

Como Juiz da Vara da Infância e Juventude, recebo processos e comunicações envolvendo crianças e adolescentes vítimas de maus tratos, com vários hematomas pelo corpo, que apanham com cintas, pedaços de pau, relhos, ferros, normalmente praticados por pais, ações que com a mais absoluta certeza não são legais, podem gerar em situações mais graves a suspensão ou a perda do poder familiar, com a aplicação de medidas protetivas à criança ou adolescente.

A Lei procurou prevenir e punir situações como estas, bem como se posicionar pela educação de nossas crianças pelo exemplo, pelo diálogo, o que certamente gerará adultos mais humanizados.

A frase surrada “violência gera violência” é real, sendo muito mais provável que quem é educado com o diálogo, com carinho, com educação, será um adulto educado, afetuoso, pronto ao diálogo, do contrário quem for criado sob punição e opressão, a “ferro e fogo” tende a repetir suas vivências. O espírito da lei é colocar nossa sociedade alinhada a essa postura humanitária, educadora e solidária.

Digo, com toda certeza, que jamais levei um tapa no rosto de minha mãe, muito menos de meu pai, nunca agi assim com meus filhos, o rosto da criança é para receber afagos, carícias, beijos, jamais para ser punido, um tapa no rosto marca a vida e a personalidade da criança, rompe a possibilidade do diálogo, da compreensão, sendo, a meu juízo, enquadrada na lei como uma das condutas vedadas, proibida.

Bom fim de semana a todos.

 

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