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O presente e o futuro do Direito Constitucional na visão de dois ministros de cortes supremas

O presente e o futuro do Direito Constitucional na visão de dois ministros de cortes supremas

O presente e o futuro do Direito Constitucional formaram as linhas de discussão no evento ocorrido na manhã desta quarta-feira (21/10) e que integrou o Ciclo de Palestras 40 Anos da Escola da Magistratura da AJURIS. O debate virtual foi mediado pelo desembargador aposentado Ingo Wolfgang Sarlet, integrante do Conselho Científico-Pedagógico e da Comissão de Relações Institucionais e Internacionais da Escola.

Primeiro a falar, direto de Portugal, o juiz conselheiro do Tribunal Constitucional português Gonçalo Almeida Ribeiro destacou que o Direito Constitucional atual precisa enfrentar seus diferentes paradoxos para seguir tendo relevância na vida jurídica dos países. Entre os paradoxos, citou o desejo de cada geração de escrever sua própria Constituição, o que fere a garantia da estabilidade jurídica que deve ser intergeracional. O outro paradoxo lembrado é o que chamou de “democrático”. Como a norma constitucional não pode ser mudada a todo momento, lembrou o juiz conselheiro, existirá períodos da vida civil de um país em que a sociedade será governada por um texto aprovado com proposições que, no passado, eram a maioria e, com as mudanças sociais, passaram a representar uma minoria. Assim, se teria uma vida democrática imposta pelos desejos da menor parte da população, o que contraria o princípio da democracia.

Apesar dos paradoxos, no entanto, Ribeiro destacou a importância de um texto constitucional reger as relações em uma sociedade. “Qualquer sociedade onde não estão garantidos os direitos básicos não tem uma Constituição”, afirmou.

Falando de Brasília, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal de Federal, fez uma palestra metódica e com afirmações contundentes para analisar o que considera ser o futuro do Direito Constitucional. No início lembrou que o Brasil vive hoje sob a ideia do constitucionalismo democrático. O conceito de constitucionalismo significa limitação dos poderes e respeito aos direitos fundamentais, e o de democracia o respeito ao desejo da maioria da sociedade, disse o ministro. “Isso leva a tensões entre essas duas dimensões e, quando elas surgem, a maior parte dos países adota modelos de supremas cortes para arbitrar essas questões. Na minha visão, falar do futuro do constitucionalismo é também falar do futuro da democracia”, afirmou.

Barroso listou três fenômenos que, quando sobrepostos, causam problemas para a democracia: o populismo de líderes, que surgem da promessa de soluções imediatas e manipulam o medo do povo, principalmente com a comunicação direta via redes sociais; o conservadorismo radical, fundado na incapacidade da aceitação do diferente e na supressão dos que não pensam como os conservadores e na extinção de instituições que não se curvam aos valores defendidos por eles; e no autoritarismo, que é a tentação permanente de concentração de poderes e diminuição do papel das demais instituições.

Na sequência, listou três causas que considera como as responsáveis pelo surgimento desses fenômenos em diferentes partes do mundo: a causa política, por conta de uma incapacidade do sistema eleitoral de dar voz a uma cidadania, criando certa sensação de que as fórmulas políticas tradicionais da representação já não atendem mais as demandas da sociedade; as causas econômico-sociais, com a taxa elevada de desemprego ou estagnação da classe média em diversos países, sem perspectiva de ascensão social em uma sociedade tecnológica que esvaziou muito as tarefas e atividades tradicionais; e as causas culturais e identitárias. Nesse item, o ministro lembrou que o mundo viveu uma gigantesca onda progressista nas últimas décadas, e um continente relevante de pessoas não participou desse movimento cosmopolita e, agora, promove uma reação contrária à defesa de causas como a dos índios, gays, ambientalistas, negros e mulheres. “Há uma certa reação às vitórias do pensamento progressista nos últimos anos, que se acomodou, se deitou sobre os louros da vitória e não trouxe os vencidos para o lado das suas causas”, disse Barroso.

Por fim, listou três grandes inimigos da democracia e do Direito Constitucional no mundo a serem enfrentados: a pobreza e a desigualdade, que tiram o sentimento de pertencimento dos que sofrem com ela, tornando-os excluídos; a corrupção estrutural e institucionalizada, que no Brasil é vista com naturalidade. “A corrupção no Brasil não foi produto de pequenas fraquezas humanas, mas fruto da ação empresarial articulada com a burocracia estatal”, disse. Por fim, o terceiro inimigo é a dificuldade de dar voz e representação política à cidadania, o que exige uma revisão da estrutura eleitoral, explorando e aprimorando do debate público da internet, que agora é tomado pelo que considerou “subproduto das campanhas de desinformação e de ódio e a institucionalização da mentira como projeto de construção de uma narrativa”.

Ao encerrar sua participação, mesmo depois de uma avaliação dura do presente e do futuro do Direito Constitucional, Barroso deixou uma mensagem positiva: “O futuro do constitucionalismo repousa no que sempre foi a grande causa da humanidade: a emancipação das pessoas para que tenham verdadeira liberdade de escolha e um ambiente onde elas possam viver a vida boa, onde cada um faz de si o melhor que pode ser”.

A abertura do evento contou com a presença do presidente do Tribunal de Justiça do RS, Voltaire de Lima Moraes; da corregedora-geral de Justiça, Vanderlei Teresinha Kubiak; do presidente da AJURIS, Orlando Faccini Neto; do diretor da Escola da Magistratura, Jayme Weingartner Neto, da vice-diretora, Patrícia Laydner, e da coordenadora de Cursos de Aperfeiçoamento, Clarissa Lima; do presidente do Tribunal Regional Eleitoral, André Villarinho; do diretor da Escola Eleitoral do TRE, Jorge Luis Dall’Agnol; do diretor do Foro Central de Porto Alegre, Márcio Fraga; dos ex-diretores da Escola da Magistratura Ricardo Pippi Schmidt e Eugênio Facchini Neto; e do ex-presidente da AJURIS Gilberto Schafer.

A íntegra da palestra pode ser assistida no link vimeo.com/470665138/1518ba7222