23 fev O Estatuto da Magistratura: O Debate do Judiciário em um Estado Democrático de Direito, por Gilberto Schäfer
Artigo de autoria do vice-presidente Administrativo da AJURIS
Gilberto Schäfer publicado na Coluna da AJURIS no jornal O Sul desta segunda-feira (23/2).
De acordo com a nossa Constituição Federal, Lei Complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal (STF), disporá sobre o Estatuto da Magistratura, com a observância de regras e princípios inscritos na Constituição. A lei atual que rege a Magistratura é a lei orgânica 35, de 1979, o que faz com que seja marcada, historicamente, pelo período do regime autoritário.
Esta iniciativa para o projeto de lei é uma daquelas iniciativas ditas privativas ou reservadas. Isto significa que apenas o órgão designado pela Constituição pode ter a iniciativa do projeto, e não membros do legislativo, o que se constitui na criação de uma esfera de proteção do Poder Judiciário contra ingerências indevidas.
O projeto anterior de estatuto foi retirado do Congresso Nacional pelo STF, especialmente porque novas mudanças constitucionais foram sendo aprovadas neste período e precisavam ser incorporadas ao texto legislativo. Para exemplificar, estaria defasado um estatuto que se dispusesse a normatizar o judiciário, sem referência ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), hoje um órgão incumbido do controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes.
Levando em consideração este contexto, cogita-se, agora, em enviar ao Congresso Nacional, um novo projeto de Estatuto da Magistratura. O STF ainda não apresentou de forma oficial o seu anteprojeto ou projeto, mas há sinalização concreta para esta possibilidade.
No entanto, se há necessidade, de um lado, de um texto atualizado e de acordo com o atual norte constitucional, por outro lado, é necessário superar um importante obstáculo: o estatuto da magistratura não pode ser produzido com base no paradigma da desconfiança e da retaliação! Se o texto for marcado pelo signo da desconfiança – seja no Judiciário enquanto poder, seja no magistrado enquanto membro deste poder – e da retaliação pelos que se sentem atingidos pelo judiciário, a conseqüência será o enfraquecimento do próprio Estado Democrático de Direito.
Evitar que este paradigma negativo exerça uma influência decisiva em um novo texto é uma tarefa política das associações representativas, das direções dos tribunais e de todos os magistrados. Deve-se fazer com que a sociedade civil compreenda o papel do Judiciário como um dos poderes fundamentais do Estado democrático, com a função de afirmar direitos radicados na sede da pessoa humana, dotada de dignidade. A função – e legitimidade – do Judiciário reside na realização da vontade expressa na constituição e nas leis, forma de proteção de todos contra o arbítrio da maioria, algumas vezes expressos no parlamento, mas sobretudo, nos estados atuais, no Poder Executivo.
O desafio é fazer com que com esta compreensão a sociedade cerre fileiras para superar – ou ao menos minimizar – obstáculos que surjam no debate, e tenha em mente de que para cumprir suas tarefas, o Judiciário necessita de independência no resguardo das funções do juiz, seja no plano interno, seja no plano externo.
A população deve partilhar do entendimento de que quando se fazem exigências ao juiz, estabelecendo vedações salutares para a sua independência, como a não participação político/partidária, o não exercício de profissão, a não ser de magistério, há que se dar a devida compensação remuneratória. A população deve perceber – e o nosso papel é evidenciar este aspecto – que face à relevância das atividades dos magistrados que julgam as causas cruciais da cidadania e do Estado, não é possível conceber um Judiciário sem valorização da Magistratura.
É preciso lutar para produzir um quadro que permita um novo Estatuto da Magistratura para edificar um Judiciário fortalecido para que possa cumprir as suas funções de afirmar direitos de forma independente. Para atingir este escopo, ele também deve construir a segurança administrativa para atingir a eficiência exigida pela Constituição, e deve permitir avanços na participação e na democracia interna, inclusive no Conselho Nacional de Justiça, aprimorando a escolha dos seus membros.
Gilberto Schäfer
Juiz de Direito, professor de direito constitucional, vice-presidente administrativo de Ajuris