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O direito à saúde e o Poder Judiciário, por Ney Wiedemann Neto

O direito à saúde e o Poder Judiciário, por Ney Wiedemann Neto

Artigo de autoria do desembargador do TJ/RS Ney Wiedemann Neto
publicado no dia 20 de julho pelo O Sul.

Todos os dias chegam ao Poder Judiciário muitas ações tratando sobre questões relacionadas ao direito à saúde, tanto a saúde pública, que envolve o SUS (Sistema Único de Saúde), como a saúde suplementar, que envolve os planos de saúde. São frequentes os pedidos de medicamentos ou tratamentos de custos bastante elevados, onde se incluem as chamadas Opmes (órteses, próteses e medicamentos especiais).

Quando o conflito pela negativa de fornecimento ou cobertura é levado ao Poder Judiciário, ao juiz são apresentados dados e argumentos técnicos e médicos diversos e, muitas vezes, conflitantes. Há oposição entre a prerrogativa de cada agente decidir. Existe a prerrogativa do médico do paciente, que busca o atendimento, a do gestor da saúde, pública ou suplementar, e a do Juízo, que personifica o Estado-Juiz, com o poder-dever de decidir a questão.

A prescrição do médico é inquestionável? O pedido feito é essencial, tem base racional, científica, devidamente estabelecida e suficiente? E o argumento de urgência, que muitas vezes dificulta o Poder Judiciário de esclarecer essas premissas? O Juízo não tem conhecimento técnico próprio e experiência necessária ao julgamento, precisando valer-se de perito técnico para assessorá-lo. Ou decidirá sem evidências científicas que justifiquem sua posição.

Ademais, não se pode desconhecer que nesse tipo de demanda há muitos atores da cena judiciária (partes interessadas) ocultos, como a indústria de medicamentos ou de órteses e próteses, associações de doentes, médicos, e fornecedores. Às vezes, isso pode levar a distorções e práticas que se prestam a desvios, com a utilização da Justiça como um meio operacional de incorporação de tecnologias e disseminação do seu uso em escala comercial, muitas vezes de medicamentos não essenciais ou não garantidos em termos de eficácia e segurança.

Pode haver, de modo antiético, a atuação dirigida da indústria farmacêutica e de órteses e próteses, por exemplo, sobre médicos, com modos de agir que podem influenciar as prescrições médicas e de tratamentos. Há médicos que podem induzir ações e influenciar decisões judiciais. Tanto isso ocorre, que a imprensa, desde dezembro de 2014, vem divulgando uma série de reportagens a respeito de investigações de fraudes envolvendo a Máfia das Órteses e Próteses.

Isso traz à baila a questão da autonomia prescritiva do médico. Não pode haver prioridade à total e livre escolha de qualquer prescrição para qualquer um, pautada na prerrogativa da autonomia médica e de direito do doente. O Poder Judiciário não pode considerar incontestável a prescrição médica. Deve equilibrar os interesses antagônicos derivados da tentativa de incorporação acrítica de novas tecnologias e da racionalidade científica que deve ter a sua incorporação.

Ainda, há a questão da urgência alegada no pedido de liminar ao Juízo, para a ordem de atendimento do paciente autor da ação judicial. É uma condição que obriga ao atendimento médico imediato, independentemente de condições de direito ou garantia de ressarcimento. Isso nem sempre é devidamente caracterizado nos processos judiciais. Sói haver interpretação equivocada de conceitos para premir a decisão dos juízes, dificultar o contraditório e criar um fato consumado. Como alterar uma decisão liminar de liberação de um tratamento já iniciado ou concluído?

Por tudo isso, são importantes as Recomendações nº 31/2010 e nº 36/2011, do Conselho Nacional de Justiça, no sentido de os tribunais contarem com núcleos de consultoria e assessoramento técnico (médicos e farmacêuticos) para apreciar pedidos de concessão de liminares em ações judiciais. Isso permite ao magistrado avaliar a respeito da necessidade, adequação e urgência do procedimento solicitado. Ainda, que os juízes ouçam (até por meio eletrônico) os gestores de saúde, antes da apreciação de medidas de urgência.

 

Ney Wiedemann Neto
Desembargador do TJ/RS

 

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