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Literatura, abismos sociais e o impacto no debate público marcam mesa literária do Congresso

Literatura, abismos sociais e o impacto no debate público marcam mesa literária do Congresso

Os escritores Jeferson Tenório, Patrícia Melo e Paulo Scott participaram, na tarde de quinta-feira (12/8), da mesa literária Romance Brasileiro Contemporâneo e Abismos Sociais, realizada durante o XIV Congresso Estadual da Magistratura. O debate permeou a dinâmica entre o papel da literatura e os problemas sociais que a arte utiliza como fio condutor das suas narrativas. 

Conduzido pelas magistradas Márcia Kern e Patrícia Laydner, a mesa literária teve início com a fala do escritor Jeferson Tenório, autor do livro “O Avesso da Pele”. O romance tem como plano de fundo o cenário trágico com que, endemicamente, se defrontam as comunidades negras e periféricas do país, trazendo uma reflexão sobre o racismo e a violência policial. “Dentro do Avesso da Pele, o que a gente tem ali é o percurso de um homem negro, cuja trajetória é marcada pela violência racial, e que ao longo da narrativa vai tentando mostrar ao filho que o mundo é racista e bastante cruel e que ele precisa se preparar para isso”, destacou. 

Ao mesmo tempo que reconhece a importância da literatura como caminho para o debate dos abismos sociais que marcam a sociedade, o autor reforça que esse não é o seu papel fundamental. “A arte age em outro tempo, um tempo que não é o mesmo da luta social. Por isso, não esperem que a literatura assuma esse papel, de trazer a grande consciência política e social. Mas ela é, sim, muito poderosa, de tal forma que talvez nenhuma outra área do conhecimento consiga atingir. Um importante instrumento de sensibilização, que faz com que se possa, de algum modo, se identificar com dores e sofrimentos”, ressaltou. 

Na mesma perspectiva, a escritora Patrícia Melo também defendeu que não é função da literatura buscar respostas ou fazer denúncias sobre os problemas sociais. “Mas isso não significa que ela não ocupe, sobretudo nesses momentos tão obscuros que a gente vive, um espaço de resistência”, destacou a autora de “Mulheres Empilhadas”, obra que aborda a realidade de mulheres vítimas de violência. 

A partir da trajetória pessoal de uma jovem advogada, a autora traz reflexões importantes sobre a matança sistemática de mulheres no Brasil, que atinge todas as classes sociais. “Ao mostrar uma realidade, espera-se que haja uma sensibilização, uma sensação de empatia em relação aos que sofrem, que o leitor consiga se colocar no papel das vítimas e se conscientize sobre os problemas que afetam a nossa sociedade”, explicou. 

Autor de “Marrom e Amarelo”, romance sobre dois irmãos marcados pela discriminação racial no Brasil, o escritor Paulo Scott também defendeu que o compromisso da literatura não está ligado aos problemas sociais que ela levanta, mas que isso não significa que ela não desempenhe esse papel para os leitores. “Embora eu sustente que eu não seja um autor engajado, como leitor eu posso reforçar o que também foi dito pelo Jeferson e pela Patrícia: se é verdade que a literatura não tem compromisso, é verdade também que a literatura sensibiliza e apresenta uma verdade que outras dimensões não conseguem estabelecer. Uma verdade que só acontece na literatura”, pontuou. 

Scott, que também é formado em Direito, ainda falou sobre o diálogo das duas áreas. “Existe uma aproximação da arte, da literatura, que resulta em um impacto importante na condição humana naquele que dialoga com essa dimensão. Nesse sentido, eu tenho certeza que o Direito precisa, não da literatura em si, mas de um debate público que faça uso da lente da literatura para se afirmar. A revolução pessoal possível a partir da leitura de obras como as debatidas aqui, faculdade nenhuma de direito vai conseguir estabelecer, sobretudo quando você tem a perspectiva tecnológica, o resultado, a estatística, a solução racional como vetor condutor do engajamento das pessoas envolvidas”, defendeu.