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LAÇOS DE ADOÇÃO PARA AQUECER O NINHO:

LAÇOS DE ADOÇÃO PARA AQUECER O NINHO:

Os pais, primeiros objetos de desejo serão aqueles que haverão de desempenhar funções, se colocar em posição de referência. O que prepondera são as representações desde o simbólico. A família vem, pois, estruturada nos significantes Nome-do-Pai e Desejo da Mãe. São eles que, formando a metáfora paterna (Lacan), vão operar no simbólico.
 A família merece nota de especial relevância pelo fato de o ser humano, após o rompimento do cordão umbilical, depender exclusivamente de outro da mesma espécie para se humanizar, pois é o “único ser da natureza que nasce desarvorado, isto é, sem poder sustentar-se nem sequer engatinhar ou tatear em busca de alimento como o faz um filhote de cachorro”. A falta de maturidade biológica e psíquica e o desamparo do nascimento soterram qualquer hipótese de sobrevivência, se entregue o neófito à natureza.
Decorrência lógica desta inequívoca dependência é que, se não for assistido, acolhido, protegido, alimentado, abrigado por agente exterior, inevitavelmente perecerá, sua vida terá sido por demais efêmera: “o sujeito tem de aceitar como condição indispensável da vida esta extrema dependência inicial que marcará para sempre seu desenvolvimento psicológico”. Com efeito, a família tem de funcionar biologicamente na salvaguarda da sobrevivência do infante, para mais que a mera reprodução, dispensando os cuidados necessários à sustentação existencial. É ela o principal eixo de estruturação da pessoa.
Fundamental, então, é pertencer a alguém, para ter-se alguma possibilidade de ser alguém, de sair da natureza e poder encontrar a civilização no dobrar da esquina. Na família esta experiência carece ser alimentada continuadamente, pelo estímulo da sensorialidade, pela preservação e difusão da história e memória daquele grupamento, pela transmissão das experiências acumuladas e pela vinculação psíquica.
 “Se não tem um bom pai, é preciso arranjar um” já o disse Nietzsche, a antecipar um pouco do sentido e repercussão do abandono, da indiferença e da negligência. Eleva-se, assim, o patamar de reverência aos vínculos a serem formados entre pais e filhos, desde o princípio, os mais sólidos possíveis, para a sobrevivência inicial e para suportar as ventanias da etapa juvenil. Identificação com os cuidadores e sentido de si mesmo são os fios-condutores da energia para as ligações relacionais futuras.
Para o pleno e sadio desenvolvimento da criança é imperioso que ela sinta que é querida, estimada, amada, desejada e aceita pela sua principal fonte de proteção: os pais. Afinal é deles a responsabilidade por fornecer condições para uma boa estruturação da personalidade e pela formatação de um ‘self’ positivo. A família amorosa encaminha adultos seguros, confiantes e corajosos. Pessoas valorizadas enfrentam com melhor desenvoltura as dificuldades, as frustrações e as perdas de jovens enjeitados, pouco investidos, negligenciados, que podem se travestir em maiores imaturos, fracos e perturbados na psique.
 A literatura especializada, modo quase consensual, arrola como possíveis efeitos da rejeição na criança: (a) imagem própria destorcida e desvalorizada; (b) avaliação negativa sobre si mesma; (c) sentimentos de insegurança e menos valia; (d) tendência para tornar-se medrosa, ciumenta, agressiva, hostil e solidária; (e) tendência para busca constante de atenção; (f) dificuldade para expressar e corresponder ao afeto e (g) retardo no desenvolvimento da consciência moral.
 Muito por isso a importância de a família cumprir a sua função de instrumento transmissor da agenda cultural dos grupamentos sociais, de preparação do agente em formação para a cidadania, dando-lhe asas e conhecimentos para um vôo seguro. Após a nutrição afetiva, depois de ter servido de colo para as aflições existenciais no curso da marcha evolutiva, deverá preparar os filhos para a vida autônoma independente, sob pena de mantê-los reclusos num labirinto psíquico, inertes, contemplativos e embotados emocionalmente.
Deste modo constituídas as funções dos pais, são imprescindíveis para a formação do psiquismo, para organizar o pensamento, estruturar a linguagem e possibilitar sobreviver às agressões e desafios externos e às pulsões internas. 
Todavia, isto não significa que a entidade familiar tenha que operar no plano ideal. Ela também deve deixar espaço para a falta, permitir o deslizamento do desejo. Afinal, nada pior que o pai terrível da horda primitiva, o pai total que a todos sufoca; nada pior que a mãe onipotente que vai impedir o filho de ser sujeito. Ao falharem, na medida adequada, pai e mãe estarão oportunizando o aculturamento da criança. Nisso vai residir, fundamentalmente, a possibilidade de êxito.

André Luis de Moraes Pinto
Juiz da Vara da Família da Comarca de Lajeado
Diretor de Valorização Profissional da AJURIS