21 ago ‘Hábitat do machismo: juízas no banco dos réus’, por Andréia da Silveira Machado
Julgar é a arte de desagradar. E quando quem julga é mulher, o desagrado não se restringe à decisão tomada, mas atinge a própria julgadora. Há decisão judicial quando há antagonismo de interesses e as partes não conseguem ou não podem resolver por si mesmas. E qualquer decisão que uma juíza ou um juiz tomar, desagradará a uma dessas partes. Ou às duas. Ou desagrada às partes e à comunidade. Quando se ingressa na magistratura e se firma o compromisso de julgar conforme a Constituição Federal, as leis vigentes, sob os ditames da Justiça, aceita-se esse ônus: as decisões proferidas desagradarão.
O remédio para o desagrado chama-se recurso processual. Não concordar é direito; manifestar discordância, também; ofender, não. Por isso, causa indignação a afirmação de que juízas foram “cúmplices de seita do ambientalismo” e um desembargador afastou o “misticismo ideológico” e trouxe racionalidade no caso da revitalização do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho. Houve uma decisão judicial de primeiro grau, proferida com o entendimento do fato e do direito, conforme o que a julgadora entendeu correto. E houve uma decisão do Tribunal de Justiça, proferida com o entendimento do fato e do direito, conforme o que o julgador entendeu correto. Não há erro ou acerto, mas interpretações e soluções diversas para a mesma lide.
Todavia, a opinião põe em evidência a misoginia: mulheres são irracionais e suscetíveis à manipulação. Não servem para julgar, principalmente causas importantes. Há necessidade da intervenção de um homem para colocar as “coisas em ordem”. Basta uma mulher contrariar interesses para que sua capacidade seja questionada. Como seria o artigo se a situação fosse inversa? Obviamente não se acusaria o juiz de ser “cúmplice de seita”. No máximo, dir-se-ia que a decisão não foi acertada. E, igualmente, não se enalteceria a “racionalidade” da desembargadora – mas apenas que o Tribunal de Justiça corretamente reverteu a decisão.
Para as mulheres, a balança sempre tem dois pesos e duas medidas. Já passou da hora de se parar de xingar a mãe do juiz e reclamar apenas da arbitragem.
Andréia da Silveira Machado, juíza de Direito e diretora do Departamento das Magistradas da AJURIS
Artigo publicado na edição de 21/8/23 do jornal Zero Hora