12 mar ESPECIAL: Os bastidores da vitória nos projetos de reestruturação do IPE
No último dia 06/03, a AJURIS e o TJRS obtiveram uma importante e histórica vitória na Assembleia Legislativa do RS. Os polêmicos projetos de reestruturação do IPERGS, propostos pelo Executivo nos PLCs 206 e 207, foram aprovados com as emendas costuradas pela associação e que garantiram a autonomia dos Poderes.
A AJURIS conversou com três dos articuladores que trabalharam diretamente para que a aprovação se desse. Com a palavra, o desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, diretor do Departamento de Assuntos Previdenciários da AJURIS; Mauro Borba, diretor do Departamento de Assuntos Legislativos da associação; e o desembargador Cláudio Luís Martinewski, presidente recentemente eleito da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública.
1 – Quando os projetos foram apresentados pelo Executivo, umas das preocupações da AJURIS e da magistratura era a perda da autonomia dos Poderes. Em que ponto o projeto original não observava esse princípio constitucional?
Aymoré: Os PLCS 206 e 207/2017 envolviam, sob o ponto de vista estrutural, três eixos. O primeiro dizia e diz respeito à gestão macro econômica financeira e atuarial do Regime Próprio de Previdência Social do Estado do RS, com todas as suas implicações, em especial às decorrentes à Lei 13.758/2011 que desenhou uma nova moldura econômica, financeira e atuarial e criou dois regimes financeiros para fazer essa gestão, que é o Regime de Solidariedade e o Regime de Capitalização. Nessas, a competência tem de ser do IPE.
O segundo eixo dizia respeito às autonomias dos poderes de Estado e os órgãos autônomos, que também tem autogoverno, autonomia administrativa sob o ponto de vista constitucional, que é o Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas, fora a questão das fundações e autarquias, que também tem a mesma estrutura de autogoverno.
O terceiro eixo se concretizou na proposta de que o IPE-Prev na moldura vista pelo Piratini iria ter mais poder constitucional, legal e processual-administrativo do que os chefes de Poderes e mais até que o Tribunal de Contas que, sob o ponto de vista previdenciário é sempre a última palavra no plano administrativo.
Nesses dois PLCs para implantar o gestor único, teria que subtrair essas autonomias constitucionais e legais dos poderes de Estado e dos órgãos do RS. E é claro que a AJURIS, que é o braço político-associativo da magistratura, não poderia concordar com isso em hipótese alguma. Não poderia concordar que o Tribunal de Justiça perdesse essa autonomia, esses predicamentos constitucionais. É uma matéria de extrema sensibilidade política, transformaria esse IPE num suprapoder de Estado, o que agride a tessitura constitucional de partição de Poderes.
Martinewski: Os projetos não observavam de uma maneira geral, porque a pretensão inicial era levar todo o sistema de previdenciamento para a competência do novo instituto, retirando do Poder Judiciário a própria concessão e atos de aposentadoria, a inclusão, definição do benefício, mas também o próprio pagamento. A ideia era levar para o Executivo através desse instituto.
Nas negociações iniciais, se mudou um pouco, com uma proposta de deixar os de Regime de Repartição simples com o Judiciário, mas pegar os de Regime de Capitalização para o novo instituto que será criado. E isso se conseguiu reverter, mantendo os colegas, seja em que regime for, no âmbito do Poder Judiciário.
2 – Existia a necessidade de se mexer na estrutura do IPE nesse momento?
Mauro Borba: Se fala muito que os projetos ferem os interesses do povo do RS. Há um certo equívoco nisso por parte de alguns setores. Na verdade, diante da situação posta, os projetos, tal como foram aprovados, são uma forma de dar uma condição para o IPE poder bancar o benefício no futuro de seus aposentados. É um projeto necessário mas que precisava de ajustes. São projetos que vão dar, a médio e longo prazo, a sustentabilidade do sistema.
Aymoré: Isso na versão das nossas emendas, que corrigiram essas distorções gritantes, gravosas, em ambos os projetos. E vou ao encontro do dito pelo Mauro Borba: nós temos uma população, a grosso modo, de pouco mais de 10 milhões de habitantes no RS. O IPE, sob a ótica previdenciária envolve, aproximadamente, três milhões de pessoas. Então a sociedade gaúcha vai receber os efeitos negativos, ou positivos, de uma legislação de Estado e não de governo.
3 – As garantias constitucionais previdenciárias foram mantidas com o novo projeto?
Martinewski:Sim, foram mantidas. Entendemos que essas autonomias do Poder elas acabam também se estendendo à aposentadoria como decorrência própria da atividade do magistrado enquanto na ativa que por vezes toma decisões que muitas vezes tem reflexos na atualidade. Então ele precisa estar resguardado, que não tenha a preocupação de julgar hoje e no futuro tenha algum revés no seu benefício, na sua manutenção de renda através de um expediente que poderia dar margem se fosse deslocado para competência do Poder Executivo.
4 – Os projetos foram retirados do Regime de Urgência no final do ano passado e em sessão de fevereiro foi retirado quorum, impedindo a votação. Esse prazo a mais foi fundamental para amadurecimento das propostas e costura de apoios?
Mauro Borba: O tempo foi muito importante para que esse embate, no bom sentido, liderado por todas as forças, se desse da melhor forma possível. Foi importante para maturar as coisas, mas não pode passar do ponto. Em uma semana, muita coisa pode mudar, como no caso .
Martinewski: Foi fundamental. Isso decorreu muito das ações da AJURIS, do Poder Judiciário e da União Gaúcha, porque uma das questões que estava sendo retirada da nova proposta era a participação da UG do Conselho Deliberativo, agora denominado de Conselho de Administração do novo projeto. Isso poderia trazer prejuízos à representação dos servidores.
5 – Na prática, a divisão do IPE pode futuramente trazer algum prejuízo ao servidor, em especial à magistratura?
Aymoré: São dois pontos fundamentais. Na forma dessas leis, que foram aprovadas, é preciso construir esse IPE, que seja um órgão de Estado e não um órgão de governo. Esse ponto é fundamental para construir esse grande gestor. O outro ponto diz respeito ao IPE-Saúde, que ainda será votado nos PLCs 211 e 212. Que ele seja transformado no mais poderoso plano de saúde do servidor do Estado.
Martinewski: Estamos visualizando numa primeira análise que não, se ela decorrer do interesse público, se ela decorrer de uma modernização da gestão. Mas a preocupação nessa divisão é sobretudo na área da Saúde. Na medida que a divisão deixa a Saúde isolada, isso no futuro pode representar alguma margem à privatização. É uma preocupação permanente. Essa estrutura de participação da União Gaúcha, junto a outras entidades, no âmbito do Conselho foi conquistada no IPE-Prev precisa ser reproduzida, espelhada no âmbito do IPE Saúde como uma das garantias para evitar uma eventual pretensão de privatização.
6 – O Tribunal de Justiça fez uma interlocução importante para a aprovação do projetos. Como se deu esse processo?
Aymoré: Aqui cabe um resgate. Pelo Piratini, esse gestor único, constitucionalmente hipertrofiado, ele vem tentando ser colocado como marco normativo desde o governo do Germano Rigotto, mas ele realmente passou a ser algo perigoso sob o prisma da constitucionalidade no governo Yeda Crusius. No governo Tarso, o assunto voltou à tona e ali acenamos que a Previdência do servidor público precisava ter futuro. Naquela época propusemos que se fizesse a linha de corte e que se construísse o que hoje é o Fundoprev. Já o governo Sartori agitou a questão do gestor único através desses dois PLCs. Nesta quadra, a atuação do ex-presidente do TJRS, Luiz Felipe Silveira Difini, e muito especialmente do juiz assessor Márcio Fraga, ouvindo a AJURIS constantemente, buscou subsídios e passou a oferecer resistência institucional aos dois projetos. A nova gestão do Tribunal, do desembargador Carlos Eduardo Zietlow Duro, chancelou todos os trabalhos até então realizados, as emendas que entendemos necessárias dentro do mínimo de realidade, mas mantendo a espinha dorsal normativo que assegurasse as autonomias dos Poderes e ao mesmo tempo viabilizasse um IPE-Prev com futuro.
Martinewski: Acho que o somatório das ações do TJRS, da AJURIS e da União Gaúcha representa uma coesão, uma união e que isso se reflete na própria percepção do parlamento, através de seus deputados, que há um discurso único, uma preocupação única e toda ela voltada ao bom funcionamento tanto do IPE-Prev quanto do IPE-Saúde. E também porque sabem do histórico da AJURIS e do Poder Judiciário e porque confiam na qualificação do debate proposto para o tema.
8 – Poucas horas antes da votação dos projetos, as emendas ainda estavam sendo negociadas e recebendo novo texto. Foi um momento decisivo?
Mauro Borba: Foi muito importante a reunião que tivemos com a presidência da Assembleia no dia votação, o que não aconteceu na semana anterior, quando foi feita a retirada de quórum. O presidente Marlon Santos, com uma visão de Estado, sensível, abriu sua sala para que pudéssemos fazer as últimas negociações, os últimos acertos, inclusive com o presidente do IPE.
Martinewski: Foi um momento decisivo. E aqui cabe uma menção especial ao presidente do Legislativo, deputado Marlon Santos, que oportunizou uma reunião com o presidente do IPE, Otomar Vivian, e com representante da Procuradoria-Geral do Estado, além do Judiciário e União Gaúcha, exatamente na questão da defesa das nossas autonomias, da participação da UG no Conselho. E também de algumas normas de Direito Previdenciário Material, como é questão da preservação do filho menor de 24 anos que esteja estudando que era uma regra que existia e que se pretendia retirar. É uma regra que se entende razoável no contexto de previdenciamento.
9 – O Departamento de Assuntos Previdenciários da AJURIS trabalhou intensamente durante todo o processo até a votação. Como foi isso?
Aymoré: O DAP nuclearizou o estudo destas questões colocadas nos PLCs 206 e 207, mas ele não trabalhou sozinho. O DAP teve um time da AJURIS. Depois que o ex-presidente Gilberto Schäfer, na gestão passada, viu a dimensão e a gravidade e resolveu criar esse novo DAP, nós agregamos valor a todos os estudos, convidando que diretores da associação, como o Mauro Borba, hoje no Assuntos Legislativos, e embora todos os trabalhos tenham sido desenvolvidos no âmbito do DAP, foi um trabalho coletivo da associação.
Mauro Borba: O que foi importante e decisivo foi a reunião de um grupo de colegas com uma expertise para esse processo e que foram respeitadas. Dentro do DAP existia e existe uma horizontalidade e o debate e os objetivos foram atingidos muito em função disso. Mas nada disso não seria possível se não houvesse uma união de forças. De nada adiantaria todo o trabalho do DAP, liderado pelo Aymoré – que considero como talvez o maior especialista em Direito Previdenciário do país -, de nada adiantaria se não houvesse essa união final para que pudesse chegar lá na Assembleia e ser traduzido no êxito que houve.
10 – Desembargador Martinewski, o senhor assume a União Gaúcha já com uma vitória a ser contabilizada. Quais os próximos passos da entidade em parceria com a AJURIS na questão previdenciária?
Martinewski: O próximo imediato é essa luta com relação a nova formatação do IPE-Saúde, propostos nas PLCs 211 e 212. É uma pauta permanente da UG. Já está agendada uma reunião para análise dos PLS e a forma de atuação para também garantirmos o que consideramos correto. A preservação da participação da UG no Conselho de Administração, que ele seja garantido e se possível que as entidades representativas representativas dos servidores possam fazer um rodízio no âmbito da presidência deste Conselho de Administração para que nãos seja apenas a representação dos Poderes, que a representação estatal que presida. Que possa haver uma alternância, que me parece mais democrático, ajuda a questão do jogo político necessário ao tratamento de todos os interesses do servidor público que abrange mais de 1 milhão de pessoas.
11- Sabemos que essa luta teve a participação de muitos nomes, alguns de bastidores.
Aymoré: É importante fazer esse resgate. Um dos pontos que particularmente me orgulho nessa história foi ter trazido três gigantes da magistratura do Rio Grande do Sul, todos eles colegas magistrados aposentados, que foi o Henrique Roenick, o Tael Selistre e o Adão Cassiano. São colegas que fizeram história na magistratura, colegas valentes, corajosos e que deram uma qualificação aos trabalhos. Não se pode deixar de mencionar o desembargador Carlos Roberto Lofego Caníbal, pela extraordinária atuação na diplomacia institucional que permitiu que se resolvesse muitos dos entraves de entendimento com o governo, além do trabalho exemplar de Daniel Dummer, do diretor Ivandre de Jesus Medeiros e do analista judiciário do TJRS Luciano José Martins Vieira.
Mauro Borba: Tudo só foi possível pela união de forças. De nada adiantaria todo o trabalho o DAP se não houvesse a união final. E não se pode esquecer de algumas das pessoas muitas que contribuíram para isso, desde o desembargador presidente Duro; a presidenta Vera Deboni; pelo o próprio Aymoré, e os colegas do DAP, do Luis Antônio de Abreu Johnson; Enilton Santos (que conhece os meandros da Assembleia Legislativa como poucos), Letícia e Juliano do Jurídico da AJURIS; do Tribunal de Justiça, como o desembargador Carlos Roberto Lofego Caníbal, e Daniel Dummer, juiz assessor da presidência do TJ, o Ivandre, o Loureiro.
12 – Foi uma vitória para o futuro dos servidores?
Martinewski: Exatamente. Se pretende também que essa matéria previdenciária ela tenha uma solidez daqui para frente que daqui a quatro anos, ou no próximo governo, não se pretenda mexer de novo. Acho que se criou um formato muito bom, pelo menos do IPE-Prev, que ele tenha os meios necessários para que ele possa cumprir suas finalidades previdenciárias e isso claro, logicamente, traz os benefícios para quem depende do instituto, o próprio servidor e seus dependentes. E isso tem reflexos em termos de segurança jurídica e em termos de recursos materiais.
Mauro Borba: É importante frisar que, se não se tem uma sociedade minimamente organizada, uma cidadania minimamente ativa, isso pode vir de novo e passa. A sociedade precisa estar atenta, se organizar porque se não, aos poucos, outras conquistas podem ser retiradas. Por isso é importante também esse trabalho que a AJURIS está fazendo. Embora localizado, direcionado, ele também se reflete para o macro, na medida que o acompanhamento e a intervenção que nós fizemos, conseguimos aparar essas arestas que poderiam comprometer todo um sistema. Vejo esse êxito como etapa de um processo. O trabalho do DAP vai continuar, novos embates virão e precisamos demonstrar essa coesão para que esse embates sejam superados da melhor forma possível, pela associação, pelo Tribunal e também pela sociedade civil.
Aymoré: Quando o institucional anda de mãos dadas com o associativo na magistratura do RS, quem ganha é a sociedade. Porque tem uma instituição mais pujante, mais forte sob o ponto de vista de seus predicamentos constitucionais efetivos, e tem juízes com uma estrutura de garantias fortalecidas.
Reportagem: Daniel Soares
Fotos: Joice Proença e Vinicios Sparremberger
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