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Reformas constitucionais, limites circunstanciais ou self restraint legislativo?, por Ingo Wolfgang Sarlet

Reformas constitucionais, limites circunstanciais ou self restraint legislativo?, por Ingo Wolfgang Sarlet

Artigo de autoria do juiz de Direito Ingo Wolfgang Sarlet, publicado no dia 19 de maio na coluna Direitos Fundamentais da revista eletrônica ConJur

Na coluna passada, retomamos o problema dos limites da reforma constitucional no atual e tormentoso momento político-social-econômico brasileiro, questionando sua oportunidade e limites.

Dada a relevância do tema e sua mesmo urgente atualidade, ousamos retomá-lo, ainda que de modo propositalmente sumário, na data de hoje.

O que nos move é o intento de agregar outro elemento ao debate, designadamente no que toca a possível existência da figura — pois se trata de questão que se abre à discussão! — de limites circunstanciais implícitos à reforma constitucional.

Nesse contexto, calha lembrar que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 60, parágrafo 1º, existem períodos nos quais se encontram vedadas emendas constitucionais, quais sejam, nos casos de intervenção federal, Estado de Defesa e Estado de Sítio. Dito de outro modo, na pendência de tais circunstâncias, a CF não poderá ser objeto de qualquer processo de reforma.

A razão de ser dos assim chamados limites circunstancias (que de certo modo são também limites temporais, pois durante o tempo de vigência de tais circunstâncias a reforma está vedada) resulta óbvia e já corresponde à tradição constitucional brasileira desde 1934.

Com efeito, com a vedação da reforma nessas situações (que, em geral, são similares no Direito Constitucional estrangeiro), busca-se evitar que o órgão competente para a reforma da Constituição, no caso, o Poder Legislativo, na pendência de uma instabilidade político-institucional e/ou de uma crise importante, acabe por aprovar reformas (ainda mais quando de grande repercussão e interesse geral) que em situação de normalidade possivelmente não seriam aprovadas ou o seriam de modo diverso e mediante intenso e aberto debate na esfera pública.

É claro que também é evidente que não se pode propriamente comparar o atual cenário com um Estado de Defesa ou um Estado de Sítio, tampouco com situações — como a que se verificou com a República de Weimar — em que, no curso de um Estado de Exceção Constitucional, forças reacionárias e autoritárias assumiram o poder e avocaram poderes extraordinários que resultaram na corrupção e superação da ordem democrática.

De outra parte, é legítimo ao menos sugerir que uma ampla crise de legitimidade, de instabilidade política, em que parte dos integrantes do Poder Executivo (no alto escalão) e parte significativa dos membros do Congresso Nacional encontram-se sob suspeita e mesmo sob investigação e/ou respondendo processos em virtude do suposto cometimento de delitos de natureza diversa, fragiliza — e muito — qualquer processo de alteração substancial da CF, ao menos durante a atual legislatura.

A situação se revela ainda mais grave quando se está a sugerir uma prorrogação dos atuais mandatos do Poder Executivo para 2020, para então fazer novas eleições.

Que isso quebra toda a base de confiança popular, já alquebrada pelo processo de impeachment, pela baixíssima avaliação do governo (e Poder Legislativo) em curso, assim como pela pendência de processo de cassação no TSE, ademais de se tratar de fato sem precedentes na atual ordem constitucional e que foi levado a efeito pela ditadura militar no seu período final (ampliação dos mandatos dos chefes do Poder Executivo), não deveria carecer de maior justificação.

O argumento de que tal prazo é indispensável para consolidar reformas e a superação da crise soa até mesmo surreal, posto que então as portas estariam abertas para novas situações, em que, a depender do sopro dos ventos políticos e econômicos, estaria autorizada a prorrogação de mandados, quem sabe até mesmo a suspensão de eleições….

Pelo contrário, é numa situação de crise que a democracia deve ser fortalecida, e devem ser seguidas rigorosamente as regras ordinárias do processo político-eleitoral postas pelo constituinte.

É claro — e isso não se deixa de reconhecer — que a tese da existência de limites circunstanciais implícitos não é fácil de agasalhar do ponto de vista jurídico-constitucional, pois ela mesma poderá ser impugnada por inibidora da deliberação democrática, no caso, de reformas constitucionais efetivamente necessárias.

Assim, se a hipótese de se reconhecer, em casos pontuais e excepcionais, limites circunstanciais implícitos, de fato é questionável (embora não incompreensível quanto ao seu desiderato), o mínimo que se pode esperar é uma postura de autocontenção (self restraint) por parte do atual Congresso Nacional no que diz com reformas substanciais da CF, ou, pelo menos, que mediante utilização das figuras do plebiscito ou do referendo (artigo 14 da CF), garantias políticas fundamentais de participação direta do cidadão, sejam as reformas submetidas ao crivo do povo, titular do Poder Constituinte e objeto de efetivo e amplo debate.

De todo modo, não se trata aqui de desenvolver uma posição conclusiva sobre o ponto, que demandaria muito maior digressão e fundamentação, mas de contribuir para a reflexão sobre o nosso momento constitucional e as possibilidades e limites (políticos e jurídicos) de promover mudanças significativas nas atuais circunstâncias.

O momento atual exige, além de uma posição prudencial e de integração responsável mas não condescendente com fraudes e desvios de natureza moral e jurídica no que diz com a coisa pública, um fortalecimento das instituições e do processo democrático. Apenas assim será possível assegurar um passo em frente do ponto de vista qualitativo (e as reformas efetivamente necessárias e não protagonizadas por vezes por grupos fechados de interesses) no que diz com o progresso e desenvolvimento social, econômico, mas, acima de tudo, humano no nosso país