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Direitos e privilégios no neoliberalismo, por João Ricardo dos Santos Costa

Direitos e privilégios no neoliberalismo, por João Ricardo dos Santos Costa

* João Ricardo dos Santos Costa, presidente da AJURIS

 

O denominado Consenso de Washington sublimou a crise do Estado social assimilando um modelo fundado em três lógicas dogmáticas: eliminação da esfera pública, total liberdade para as corporações e gasto social mínimo. Milton Friedman, ideólogo de ponta da doutrina do pensamento único, utilizou o Chile de Pinochet como o laboratório de suas ideias. A forte influência da Escola de Chicago no Fundo Monetário Internacional (FMI) obstaculizou no Cone Sul a caminhada desenvolvimentista de base keynesiana construída na Cepal e embalou a globalização das políticas crescentes de apropriação do Estado.

O roteiro foi muito simples. Financiar as ditaduras, emprestar aos governos ilegítimos e construir a dívida impagável dos países periféricos. Depois, veio a conta. O neocolonialismo deu continuidade ao processo de espoliação histórico e criou verdades imutáveis, hoje tão bem manejadas por poucos privilegiados (os autênticos) que querem ainda ficar melhor.

Essa lógica, de difícil superação, atribui a uma categoria de servidores públicos a responsabilidade pela incapacidade do Estado em cumprir o seu papel. Adjetiva de altos salários a remuneração dos servidores que compõem uma classe média que está longe de ser uma alta classe média, como se esse segmento detivesse o acúmulo de riqueza que gera o abismo social no Brasil. É uma concepção muito útil para camuflar a letargia do serviço público e destinar a responsabilidade aos que estão cada vez mais perdendo os direitos sociais construídos a duras penas pela humanidade.

A síntese aqui elaborada tem a finalidade de ilustrar a lógica do Plano de Sustentabilidade Financeira do Estado. O governo apresenta uma proposta de arrecadação e a denomina de reforma da previdência. Sobrecarrega os servidores, sem qualquer demonstração de viabilidade do sistema. Cria alíquotas diferenciadas buscando dar concretude à estratégia do dividir para governar e complementa investindo na descredibilidade dos representantes dos servidores públicos, como se fossem representações influenciáveis. Já é hoje de abandonar Maquiavel.

Sintomática foi a reação contra as propostas do Conselhão. A iniciativa de alguns conselheiros de sugerir encaminhamentos que divergem da posição do governo gerou uma reação bastante contraditória em relação ao discurso de concertação, como se o Conselho tivesse sido criado somente para dizer amém para o governo e lhe fosse proibido ter a ousadia de discordar. Mas é esclarecedora a resistência, inclusive dos trabalhadores da iniciativa privada, em torno do chamado pacote de sustentabilidade: todos sabem que no conceito de privilégio que é vendido não há inocência, mas um propósito muito bem elaborado de desconstrução do Estado social.

 

* publicado em Zero Hora (pg. 17) no dia 24/5/2011