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Da indelegabilidade da execução da pena a órgãos privados

Da indelegabilidade da execução da pena a órgãos privados

A pena como medida aflitiva e educativa deve ser produto da ação terapêutico-pedagógica dos agentes estatais, tratando-se de serviço público próprio, qualificado e não mera comodidade oferecida pelo Estado para proporcionar uma vida mais gratificada aos a A superlotação dos presídios, aliada às repercussões econômico-financeiras acarretadas pelas exigências legais do cumprimento da pena, conforme os mandamentos da lei 7210/84, tem instigado algumas autoridades públicas que se ocupam da matéria a cogitar da possibilidade de deferir a órgãos da iniciativa privada a função de executar a sentença penal.

Entendo, com a devida vênia de quem sustenta tese oposta, haver uma impossibilidade jurídica na execução de tal desiderato prático.

Em primeiro lugar, a função da execução da sentença penal condenatória não se reduz ao cumprimento de uma atividade meramente administrativa, como argumentam alguns juristas, mas constitui um desdobramento da jurisdição, uma vez que se formam novos pólos de conflito, que devem ser mediados pelo julgador exequente: o sentenciado querendo fazer valer seus direitos fundamentais não relativos à liberdade de ir e vir, o MP (Ministério Público) querendo o cumprimento da sentença exequenda e o defensor postulando benefícios ao sentenciado. Esta conflitividade perpassa todo o cumprimento da sentença e exige a presença sempre atuante e indelegável do Poder Judiciário.

Por outro lado, a pena como medida aflitiva e educativa deve ser produto da ação terapêutico-pedagógica dos agentes estatais, tratando-se de serviço público próprio, qualificado e não mera comodidade oferecida pelo Estado para proporcionar uma vida mais gratificada aos administrados ou jurisdicionados. O cumprimento da pena consiste em uma tarefa fim do Estado, desde que se entenda que o fim superior do Estado seja a imposição heterônima de uma ética enlaçante e que tem por escopo a formação de cidadãos eticizados, como recomendava o sábio grego Aristáteles na sua sempre atual Ética a Nicômaco. Trata-se o cumprimento de sentença penal um tipo de serviço público indisponível, que não pode ser delegado ou permissionado a agentes particulares, sob pena de o Estado demitir-se de uma atribuição que a ordem jurídica considera indeclinável, ou seja, a soberania, a dignidade da pessoa humana, a justiça e a solidariedade, vetores estes que demandam uma orientação potestativa engajada na intelecção que os agentes estatais tem a respeito de reeducação e expiação das penas aflitivas ou limitadores dos direitos fundamentais.

Rinez da Trindade – Juiz de Direito