02 mar “Com muito amor e rigor: uma execução penal humanizada é possível”, por Marcelo Malizia Cabral
Neste mês de março de 2020 encerro o ciclo mais desafiador, difícil e encantador de meus 25 anos de carreira como Juiz de Direito.
Refiro-me à designação que recebi para ser o primeiro Magistrado responsável pela Vara Regional de Execuções Criminais de Pelotas, missão que encerro no próximo dia 11 de março, quando terei exercido a jurisdição dessa unidade por 21 meses.
O desafio e a dificuldade residem na complexidade de se garantir uma adequada execução de pena a cerca de 3.000 pessoas humanas privadas da liberdade, segregadas nas cinco casas prisionais da região nos municípios de Pelotas, Rio Grande, Camaquã, Canguçu e Jaguarão.
O encantamento floresce da possibilidade de, com amor e compaixão, auxiliar-se homens e mulheres a recomeçar uma vida nova, a experimentar oportunidades que muitos nunca tiveram, como as possibilidades de ler, estudar, trabalhar, aprender um ofício, conhecer a espiritualidade.
Nesses 21 meses enfrentamos muitas dificuldades, especialmente ligadas à precariedade da infraestrutura das casas prisionais.
Entretanto, a colaboração interinstitucional dos poderes públicos e a participação ativa da comunidade possibilitaram a ampliação de vagas no Presídio de Camaquã e a execução de reformas e melhorias nas Casas de Canguçu, Jaguarão, Pelotas e Rio Grande.
O tratamento penal, consistente na oferta de reais oportunidades de emancipação social aos reeducandos, também mereceu atenção prioritária da VEC Regional de Pelotas, com a oferta de oficinas de leitura em todas as casas prisionais, com ampliação das possibilidades de frequência à escola, com a criação de novas oportunidades de trabalho dentro e fora das casas prisionais e também com a oferta de profissionalização, em parceria com o SENAC, aos reeducandos que estão próximos do término da pena.
A disciplina e a segurança das casas prisionais também foram intensificadas, com o aumento no rigor na fiscalização da entrada de objetos e pessoas em todas as casas prisionais, além do incremento nas revistas e apreensões de objetos ilícitos.
As organizações criminosas mereceram especial atenção, estabelecendo-se diálogo constante, regras rígidas e bem definidas de convivência e disciplina dentro e fora das casas prisionais, transferindo-se e punindo-se lideranças e condutas reprováveis e aumentando-se as exigências para a concessão de benefícios legais a seus líderes e integrantes.
Em resumo, essas ações resultaram no aumento das possibilidades de emancipação social aos reeducandos que demonstraram intenção de um recomeço longe do crime e também em uma maior contenção e repreensão àqueles que não evidenciaram essa motivação em suas condutas.
Com isso, conseguimos estabilizar a pacificar a convivência dentro das casas prisionais e reduzir de modo significativo os crimes violentos nas ruas, registrando toda a região quedas nos indicadores de criminalidade bem maiores do que aquelas verificadas no Estado.
Para exemplificar, em Pelotas, as mortes violentas, após uma tendência de crescimento de uma década, encontram-se em escala descendente: 117 (2017), 89 (2018) e 74 casos em 2019.
Haveria muitos outros números a apresentar, mas nessas breves linhas, apresentam-se os mais relevantes.
Esse resultado significativo somente foi possível alcançar em razão do trabalho planejado, coordenado, inteligente e colaborativo de diversas Instituições Públicas e da sociedade civil.
Com certeza esses números aumentam a responsabilidade de todos para sua manutenção e incrementação.
Entretanto, não tenho dúvida de que estamos no caminho certo!
Parabéns a todas as pessoas e Instituições que estão trabalhando para que a região sul do RS possa viver com menos violência e mais paz!
Para que fique claro, essa é uma conquista resultante do trabalho integrado e cooperativo da Polícia Civil, Brigada Militar, Guarda Municipal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Corpo de Bombeiros, Exército Brasileiro, Instituto Geral de Perícias, Susepe, Secretarias Municipal e Estadual de Segurança Pública, Consepro, Prefeituras (especialmente a de Pelotas, por meio do Pacto Pelotas pela Paz), Câmaras de Vereadores, Ministério Público, Poder Judiciário, OAB, Defensoria Pública e de diversas outras organizações da sociedade civil.
A cooperação interinstitucional tem sido e continuará sendo fundamental para que as forças de segurança pública, os poderes públicos e a comunidade prossigam a atuar de modo colaborativo na superação da violência e na construção da paz em nossa região.
Nessa despedida, então, quero agradecer a colaboração e a parceria de todas as instituições públicas e privadas e da sociedade civil, união que possibilitou a construção coletiva desses resultados, assim como desejar muito êxito ao Magistrado Afonço Bierhals, que assume a jurisdição da Vara Regional de Execuções Criminais de Pelotas no próximo dia 11 de março, colocando-se ao inteiro dispor para colaborar.
Para encerrar essas breves linhas, gostaria de professar minha fé no ser humano, no poder do bem, do Estado e da comunidade e reforçar meu compromisso profissional para que esses valores prevaleçam.
* Marcelo Malizia Cabral é juiz de Direito e integrante do Núcleo de Direitos Humanos da AJURIS. Também é diretor do Foro da Comarca de Pelotas e está temporariamente designado pelo TJRS para a Vara Regional de Execuções Criminais de Pelotas.