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Artigo: Birra de adolescente: crítica ou elogio?!, por Carine Labres

Artigo: Birra de adolescente: crítica ou elogio?!, por Carine Labres

Venho acompanhando, através da mídia escrita e falada, as divergentes opiniões sobre o casamento coletivo, que será realizado no dia 13 de setembro, no CTG Sentinelas do Planalto, em Santana do Livramento.

Uma delas, em especial, fez-me refletir mais profundamente sobre a controvérsia. Disse o colega Adel de Oliveira, Juiz Federal, com titularidade da 22ª Vara Federal de Porto Alegre, que “Realizar um casamento entre pessoas do mesmo sexo em um CTG é uma provocação desnecessária que em nada colabora com a luta pela igualdade de direitos. A ideia parece mais birra de adolescente ou de quem busca espaço na imprensa. É o modelo de atitude que não agrega nada em favor da justa luta”.

Pergunto, então: que ideia agregaria algo em favor da causa dos homossexuais? Que atitude colaboraria, de algum modo, para a luta pela igualdade de direitos? Permanecer “encastelada” em meu gabinete, redigindo sentenças e despachos, alheia à realidade dos jurisdicionados? Fechar os olhos para a hipocrisia que paira em nossa sociedade? Negar a existência de pessoas que, mesmo veladamente, acreditam que negros são inferiores e que os gays são pessoas doentes?

Respeito, por evidente, os pensamentos contrários aos meus e, nem de longe, pretendo o embate com o nobre colega. Causou-me intranquilidade, porém, a afirmação de que eu procuro espaço na imprensa e que minha postura parece “birra de adolescente”.

Ocorre que a ampla divulgação do evento, em jornais, blogs, televisão e sites de notícias não se reverte em qualquer benefício pessoal a mim; ao inverso, fico muito mais suscetível às críticas e bem sei que muitos vasculham minha vida pessoal, atrás de algo que possa denegrir minha imagem.

Esclareço a todos que me leem, neste momento, que a participação de magistrados em atividades extrajurisdicionais pouco contribui para a promoção na carreira, sendo certo que, nos dias atuais, existem critérios objetivos para a aferição de produtividade, como em qualquer outra atividade laborativa.

Cheguei a Santana do Livramento há oito meses, sabendo que aqui permaneceria por, no mínimo, dois anos; afirmo, então, que, para a (in)felicidade dos especuladores de plantão, pretendo passar ao largo de tal lapso temporal, pois estou, a cada dia, mais entrosada nos problemas sociais que assolam a Comarca e acredito que meu trabalho possa ser bastante útil aos jurisdicionados, que estavam habituados a um Judiciário atuante e participativo, personificado na doçura e altivez da colega Mirtes Blum, que por vinte e tantos anos se dedicou ao povo santanense.

Além disso, deixei bem claro, desde o início, que jamais intencionei ferir a tradição gaúcha, tampouco afrontar o MTG; ao contrário, pretendo difundir os valores Farroupilhas a todos os seguimentos, buscando a inclusão social e permitindo que qualquer pessoa, independente de credo, raça ou orientação sexual possa participar dos festejos gauchescos.

Feitas estas considerações, posso dizer, então, que ao adjetivar minha conduta de “birra de adolescente”, o Juiz Adel de Oliveira foi bastante feliz, já que, ao longo da história, constata-se que apenas os comportamentos transgressores é que geraram movimentações sociais capazes de alterar posturas velhas, cômodas, empoeiradas e em desalinho com a evolução natural das sociedades.

Como de toda a crítica deve-se tirar proveito, enxergo nas manifestações contrárias ao casamento no CTG o ponto mais positivo da minha ideia inicial, pois consegui motivar algum tipo de sentimento nas pessoas, que passaram a  discutir o assunto, de modo que a minha contribuição para a causa das minorias foi dada e tenho certeza que, apesar das adversidades, dei um gigantesco passo na luta pela igualdade.

Lembro, por oportuno, que foram os “birrentos adolescentes” que, no início dos anos 90, com suas caras pintadas, desencadearam manifestações, em todo o território nacional, que culminaram com o impeachment do Presidente da República. Foram também os jovens, no auge da puberdade, que, em julho/2013, passaram a protestar contra os preços das passagens de ônibus urbanos, dando início a uma série de eventos públicos, que se disseminaram País afora, buscando melhorias nos serviços  maior repressão aos corruptos e liberdade de expressão.

Na era digital, os revolucionários, aqueles que se insurgem contra o “sistema”, não são mais crucificados, queimados em praça pública ou trancafiados em calabouços. São, isto sim, alvos de comentários maldosos que, via de regra, partem de pessoas que se utilizam de codinomes, não se identificam e falam em nome de uma pseudo-moral-tradicional-cristã.

Diferentemente de grandes personalidades da história, os reveses que enfrento hoje podem ser considerados ínfimos; contudo, busco na contrariedade, nos exemplos de Maria Berenice Dias, a primeira mulher a se tornar Magistrada no Rio Grande do Sul, e de Luislinda Dias de Valois Santos, a primeira mulher negra a se tornar Magistrada no Brasil, a força para prosseguir em minha caminhada, pois quando assumi a função jurisdicional, no ano de 2010, tinha a ideia de fazer a diferença, de não passar em branco pelas Comarcas, realizando somente as tarefas inerentes ao meu cargo.

Quero poder olhar para trás, daqui a vinte ou trinta anos, e ter a certeza de que minha investidura na Magistratura teve algum sentido e que pude, de alguma forma, servir ao povo riograndense, fazendo da minha voz e dos meus atos meios capazes de levar a justiça e, principalmente, a igualdade aos que não são ouvidos e sequer lembrados pela maioria opressora.

Portanto, as falsas impressões que causei em alguns não procedem, pois não tenho qualquer objetivo escuso em “buscar espaço na impressa”, já que isso não se reverte em qualquer benefício a mim, enquanto magistrada. Entretanto, se esta exposição, não planejada, é capaz de fomentar o debate sobre as causas das minorias, e se para tanto faz-se necessário o “apedrejamento pessoal”, assumo o risco, em prol de interesses maiores e duradouros, pois ainda acredito no Estado, como garantidor de direitos e deveres.

Juíza de Direito, Titular da 3ª Vara Cível,
especializada em Família, Sucessões e Infância,
Comarca de Santana do Livramento.